O fim está próximo

Atualizado em 21 de dezembro de 2012 às 13:22

Como os chineses estão lidando com o apocalipse maia. Aliás, é dia 21 de dezembro

Zhejiang Yang Zongfu, 32 anos, anunciou que vai parar as vendas de sua “Arca de Noé chinesa”, um bote salva-vidas que inventou. Ele não parou por causa da falta de demanda, mas apenas porque não tinha esperança de terminá-las antes de 21 de dezembro, último dia do calendário maia, que alguns acreditam ser o dia do fim do mundo.

Com a aproximação da data, os clientes correram para Yang.

“Eu não acredito no apocalipse, mas a maioria dos meus clientes, sim”, disse Yang. “Mas é impossível completar essas encomendas antes do dia fatídico.”

No início deste ano, Yang começou a vender “arcas de Noé chinesas” por 5 milhões de yuans (802 285 dólares) cada. Encontrou 26 compradores, em sua maioria empresários. As arcas são gigantescos vasos esféricos amarelos, segundo ele imunes a terremotos, inundações, fogo e “quaisquer desastres terríveis que você viu no filme O Dia Depois de Amanhã“.

O empresário Yang dentro de sua "arca", um sucesso de vendas

 

De acordo com um levantamento feito pela Iposos, que incluiu mais de 16 mil pessoas de 21 países, 15% dos entrevistados acreditavam que a Terra seria destruída um dia e 10% que seria dia 21 de dezembro.

A pesquisa também mostrou que a porcentagem de crentes na China foi a maior, seguidos de perto pelos russos.

“Aqueles que me procuraram queriam uma sensação de segurança, em vez de um bote salva-vidas”, diz Yang.

Ao contrário de Yang, que projetou o barco salva-vidas para fazer dinheiro, Lu Zhenghai, um jovem da região autônoma de Xinjiang Uigur, ex-comandante do exército, fez uma arca para salvar sua família e amigos de inundações que ele acredita que devem ocorrer no Juízo Final.

Lu passou quase dois anos e gastou 1,5 milhão de yuans na construção do barco de 80 toneladas. “Eu acredito no desastre. Mas, mesmo que ele não aconteça, a embarcação pode ser utilizada para recepções e transporte de mercadorias”, disse. Outro homem em Hebei, província do norte da China, criou um projeto semelhante – uma arca com nove assentos.

Moradores de Sichuan, no sudoeste, correram para comprar velas para os três dias de escuridão previstos antes do fim do mundo. Os mesmos medos levaram uma professora universitária de 54 anos de Nanjing a doar sua poupança de uma vida inteira, junto com sua casa, no valor de 1,04 milhão de yuans, para a caridade. Ela disse a um jornal local que queria fazer algo significativo antes do fim.

La garantia soy jo

 

Enquanto os usuários da Web fazem piada às custas dessas pessoas, os especialistas estão preocupados com o nível de ansiedade emergente na sociedade chinesa e o vácuo de sistemas de crenças estáveis.

“Para aqueles que acham que o mundo será destruído, o ‘dia do juízo final’ é apenas uma desculpa para liberar a ansiedade escondida profundamente em seus corações”, diz Sun Yuxiao, psicólogo da Fraternidade do Aconselhamento Espiritual de Pequim.

Pelo menos 20 pessoas o procuraram para se aconselhar por causa do medo do apocalipse impedi-los de continuar suas vidas normalmente. Um paciente anônimo, com depressão leve, é uma estudante de 15 anos de idade. Ela ficava perguntando o que aconteceria se seus pais morressem.

 

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“Essa geração cresceu em uma época sem crenças, mas cheia de especulação,” disse Sun, acrescentando que não é apenas a perspectiva de catástrofes naturais que é preocupante, mas também a segurança dos alimentos, a deterioração da qualidade do ar e o aquecimento global.

Yan Yuanyuan, porta-voz de uma ONG com sede em Pequim, assinalou que as piadas apocalípticos foram se multiplicando online. “Parece que eles olham para o dia do juízo final como uma maneira de escapar da vida que odeiam”, afirma.

Zhou Chu, professor da Universidade de Fudan, em Xangai, acredita que essas piadas também refletem o “complexo do fim do mundo” e as pessoas estão, inconscientemente, expressando seu descontentamento e pessimismo.

Cena de "O Dia Depois de Amanhã"

“Para nós, 2012 é mais um aviso sério que uma brincadeira”, diz Nan Ming, 29 anos. Nan afirma que seus pais sobreviveram ao terremoto em Tangshan, província de Hebei, que matou 655 000 pessoas em 1976. “Algumas pessoas puderam parar de orar depois daquilo, mas nós não”, diz. Nan está armazenando em sua casa pão duro, bebidas energéticas, equipamento para longas caminhadas, livros de medicina e cordas.

“Há uma série de habilidades que nos permitem sobreviver sozinhos. Não cremos que ninguém, nem mesmo os funcionários do governo ou os militares, estarão lá para salvar as pessoas em um verdadeiro desastre”. Nan e seus amigos estão se preparando para o “apocalipse” com exercícios intensos.

Ela disse que um cenário de guerra poderia ser escolhido para os treinos. Ninguém no grupo trata isso como brincadeira. “Quando uma guerra começa, as telecomunicações podem ser cortadas. Não seria possível usar o transporte público e se você estivesse dirigindo, teria de evitar as estradas principais ou seria encontrado e morto pelo inimigo”, diz. Ela acredita que os esforços sombrios de seu grupo são resultado das mesmas ansiedades que levam os outros a fazer piadas ou consultar psicólogos. “Nós temos a mesma mentalidade que as pessoas que estão construindo as arcas”.