Como funciona — ou não — a cabeça dos escritores

Atualizado em 15 de maio de 2011 às 8:00
Anna: roteiro na cabeça

Converso com Anna Perera, a autora de O Menino de Guantánamo, romance sobre o qual escrevi já aqui mais de uma vez.

Sou curioso sobre a rotina dos escritores. Talvez porque, na juventude, sonhei em ser um deles, antes que o jornalismo me tragasse e me lançasse a redações por mais de 30 anos.

Me diverti sozinho quando a ouvi dizer que, quando está escrevendo um livro, prefere não ler outros autores para não se deixar influenciar pelo estilo. Me lembrei de um dos maiores personagens de Vargas Llosa, um radionovelista de “Tia Júlia e o Escrevinhador” que jamais lia uma linha de ninguém pelo mesmo motivo. Numa passagem brilhante, este radionovelista começa a misturar os personagens das radionovelas que está escrevendo, como um Balzac desgovernado. Imagine se a mocinha da novela das oito invadisse, subitamente, a novela das sete.

“Você já tem o roteiro feito quando começa a escrever um romance?”, pergunto.

“Sim. Com o roteiro definido, fica mais fácil escrever. Você também é escritor. Com você é diferente?”

Bem, escritor é uma definição não muito precisa em meu caso.

Mas.

Mas é fato que já publiquei um livro sob o pseudônimo de Fabio Hernandez,” Confissões de um Homem Sincero”.  E agora estou escrevendo dois livros, um sobre jornalismo e uma ficção ambientada numa redação de jornal.

“Comigo é diferente. É como se os personagens ganhassem, sei lá, vida própria.”

Lembro que vi uma vez Jorge Amado dizer que era controlado pelos personagens antes de controlá-los. Sei perfeitamente o que é isso.

No romance que estou escrevendo, o editor do jornal não sabe se faz sexo com a estagiária que imagina ter se apaixonado por ele. Já percebi que a decisão vai ficar muito mais no âmbito de Claudio, o editor, do que no meu próprio, o autor.

Claudio – o nome é uma homenagem a um dos maiores jornalistas que conheci, Claudio Abramo – em certos momentos quer copular com Daniella, a estagiária. Em outros, é detido por um sentimento indefinível em que há um pouco de proteção (a ela) e respeito (por ambos). É como se nele se estivesse travando um combate entre o desejo e o cálculo.

O editor, em meu romance, se chama Claudio por causa de Claudio Abramo, um dos maiores jornalistas que conheci

Qual dos dois prevalecerá?

Não sei.

Como escritor, de alguma forma você brinca de ser Deus. Pode matar um personagem, ou salvá-lo de uma situação terrível. Pode juntar pessoas, ou separá-las para sempre.

O que o romance que estou escrevendo tem me mostrado, acima de tudo, é que é realmente difícil fazer o papel de Deus.