A autonomia total da PF é mais um monstro legado por Cunha na aprovação do impeachment. Por José Cássio

Atualizado em 31 de maio de 2016 às 10:41

pf-lava-jato

 

 

Nesta quarta-feira, 1° de junho, quando os delegados apresentarem a lista tríplice com nomes para ocupar o cargo de diretor-geral da Polícia Federal tem início o primeiro round da luta da categoria para se impor diante do ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, e do governo interino de Michel Temer.

O segundo round, mais importante até que indicação do diretor-geral, é a batalha dos delegados pela aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC 412) que está parada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos deputados desde que Eduardo Cunha foi afastado da presidência pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

A PEC 412 vende a ideia de “autonomia funcional, administrativa e financeira” da PF. Na verdade, trata-se de manter a instituição sob o domínio exclusivo dos delegados.

Sua tramitação sinaliza uma crise na corporação que os dirigentes insistem em negar: um conflito interno envolvendo delegados e os demais policiais escrivães, peritos, papiloscopistas e agentes.

“Queremos apoio a esse projeto porque, sem interferências financeiras, orçamentárias e administrativas, temos melhores condições para ter autonomia nas investigações”, defende o diretor regional da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF) no Distrito Federal, Luciano Leiro.

“Autonomia investigativa nós já temos”, rebate o presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Luís Boudens, que representa agentes, escrivães, servidores da área administrativa e papiloscopistas. “O que essa PEC pode fazer é resultar na criação de um verdadeiro monstro, de um quinto poder no país”.

Dentro da PF, o comentário é de que os delegados têm interesse na mudança da lei para, no comando das chefias, poderem entre outras atribuições direcionar o quê, como, quando e quem investigar.

O racha na corporação acentuou-se a partir de 1996 quando todos os cargos de policiais federais passaram a exigir, por lei, formação universitária.

A medida resultou numa melhora no quadro de servidores – e funções de chefia passaram a ser desempenhadas por outros policiais e servidores administrativos.

As investigações melhoraram e isso incomodou os delegados que acabaram se sentindo ameaçados em seu status – para complicar, tiveram de compartilhar a mesma remuneração dos outros cargos de “nível superior”.

Os demais policiais começaram a reivindicar uma definição legal de suas atribuições, melhores salários e meritocracia. Na tentativa de tornar as atividades de polícia mais céleres e eficientes, passaram a criticar abertamente o excesso de burocracia e o papel de juristas que pretendem os delegados.

É daí que vem o racha que culminou com a crise.

Para contrapor o argumento dos demais policiais, os delegados iniciaram uma política interna de tirar das chefias todos que não fossem delegados. Até áreas de logística, recursos humanos e grupo tático passaram a ser chefiadas por representantes da categoria.

A vendida “autonomia administrativa, orçamentária” da PEC 412 daria aos delegados o poder de definir os valores dos seus e de todos os subsídios (salários) pagos no órgão, criar gratificações (“bônus” moradia, paletó, etc).

Aos delegados caberia fazer ou não concurso para determinado cargo e criar novos. Também poderiam direcionar qual área de atuação, dentre as várias da PF, que receberia mais ou menos recursos.

Os críticos da medida lembram que a PF não é somente polícia judiciária.

É também polícia administrativa – cuida de assuntos como armas, produtos químicos, segurança privada, fronteira, drogas, imigração, passaportes e estrangeiros -, e essas áreas notadamente não necessitam ser ocupadas por delegados.

Profissionais da corporação que não aceitam essa ideologia de “superioridade” dos delegados, segundo relatos de funcionários, “são perseguidos e não têm a quem recorrer, salvo as entidades de classe”.

Esses funcionários contam que há histórias de policiais que se suicidaram e outros que sofrem sistematicamente assédio moral por não concordarem com a iniciativa.

A proposta, que repousava numa gaveta qualquer da Câmara desde 2009, ganhou fôlego no processo de troca de favores organizado pelo então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que “vendeu” (http://migre.me/tYD7m) aos delegados deputados da Casa a facilidade da tramitação em troca do voto pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Por essa estratégia, a relatoria na Comissão de Constituição e Justiça acabou no colo de João Campos (PSDB GO), delegado civil e parceiro de Fernando Francischini (Solidariedade PR), delegado da polícia federal e principal articulador da Emenda no Congresso.

Sem Cunha, eles agora apostam em duas outras frentes para garantir a aprovação: no temor popular de pararem com a Lava Jato para pressionar a opinião pública e nos dossiês e vazamentos seletivos de grampos para chantagear parlamentares investigados pela Justiça – neste caso, vale a máxima de que, em se tratando de política e Polícia Federal, nada é de graça.

Procura-se pactuar com os congressistas. Não sendo possível, pressiona-se. Não dando resultado,  chantageiam. Por fim, então, usa-se a máquina em desfavor.

O ressurgimento da PEC da “Autonomia”, como defendem os delegados interessados, ou da “Chantagem”, como preferem os críticos, é só mais um problema que Temer herdou a partir dos compromissos assumidos por Eduardo Cunha para garantir o golpe.

Quanto à lista tríplice para a escolha do delegado-geral, que será apresentada nesta semana, o ministro interino da Justiça já se manifestou contrário.

“Eu sou favorável à autonomia de cada delegado, de cada agente para exercer a sua função”, disse Alexandre de Moraes em entrevista. “A diretoria da PF acha a lista tríplice necessária? Os superintendentes acham que ela é necessária? Não. Na verdade, quem acha que é necessária é só a Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal.”

A pergunta a se fazer é: Temer vai novamente desautorizar o seu ministro da Justiça, nomear o delegado-geral indicado pela categoria e ainda bancar o acordo assumido lá atrás por seu comparsa Eduardo Cunha?

Em poucos dias, as respostas para essas perguntas virão à tona, inevitavelmente.

E você, leitor do DCM, terá pelo menos uma vantagem em relação aos funcionários da PF: seu computador não está “impedido” de abrir as nossas páginas para conferir o desfecho dessa novela, à exemplo do que acontece nos prédios onde se reúnem os homens responsáveis por combater os crimes de corrupção no país.