A contribuição milionária de Márcio Thomaz Bastos ao reinventar a Polícia Federal

Atualizado em 21 de novembro de 2014 às 11:45
Combateu o bom combate
Combateu o bom combate

Márcio Thomaz Bastos foi um dos mais importantes criminalistas do País. Defendeu figuras nefastas como o ex-governador baiano Antonio Carlos Magalhães, o bicheiro Carlinhos Cachoeira e o médico estuprador Roger Abdelmassih. Atuou como advogado, ainda, de banqueiros envolvidos nos processos do mensalão e, agora, defendia diretores das empreiteiras Camargo Corrêa e a Odebrecht presos pela Operação Lava Jato, da Polícia Federal.

Mas, como se sabe, não se julga um advogado pelos clientes que teve. Ainda mais se esse advogado é Márcio Thomaz Bastos.

Isso porque, quando ministro da Justiça, ele foi, por assim dizer, o fundador da Polícia Federal como corporação de Estado com ações baseadas em fundamentos republicanos – expressão, aliás, que ele ajudou a popularizar nos primeiros anos do primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Até então, “republicano” era um vocábulo perdido em livros de história. Foi Doutor Márcio, como era conhecido o ministro da Justiça de Lula, que deu ao termo a consistência cidadã que, dali por diante, passou a ser aplicada como um atestado civil de atos civilizatórios no Brasil.

Como repórter, passei 20 anos ligado a coberturas de ações da Polícia Federal, em todo o país, a partir da minha atuação profissional em Brasília. Assim, posso dizer com absoluta certeza que foi tão somente na gestão do Doutor Márcio, com o delegado Paulo Lacerda à frente da corporação, que a Polícia Federal deixou de ser uma milícia de governo – herança direta da ditadura militar – para se tornar, em pouco tempo, uma referência no combate ao crime organizado e à corrupção.

Os números falam por si.

Durante os dois mandatos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, entre 1995 e 2002, a Polícia Federal realizou exatas 48 operações.

Isso dá uma média ridícula de seis operações por ano.

Nos governos do PT, entre 2003 e maio de 2014, a Polícia Federal realizou 2.226 operações – prendeu 2.351 servidores públicos e colocou em cana 119 policiais federais metidos com criminosos.

O ponto de inflexão está situado, justamente, na entrada de Márcio Thomaz Bastos no Ministério da Justiça, em 2003, e a nomeação de Paulo Lacerda como diretor-geral da PF, no mesmo ano.

Foi a partir de então que o País – e a mídia – passou a compreender a verdadeira dimensão da corrupção nacional e a forma como, entranhada na cultura de negócios públicos e privados, ela era protegida e aceita, inclusive, pelo cidadão comum.

Exemplo ilustrado dessa mudança foi a Operação Narciso, de julho de 2005, quando a loja Daslu, em São Paulo, então o maior centro de consumo de luxo do país, foi alvo de uma ação conjunta da Polícia Federal, Ministério Público e Receita Federal.

Lá, onde até a filha do governador Geraldo Alckmin, do PSDB, trabalhava como vendedora, a PF estourou uma tramoia de refaturamento e subfaturamento de notas fiscais que permitia à Daslu sonegar diversos tributos. O esquema incluía o uso de empresas importadoras “laranjas” que vendiam os produtos à Daslu por preço abaixo do de mercado.

Presa e, depois, condenada a 94 anos de cadeia, a dona da Daslu, Eliana Tranchesi, virou uma mártir da elite branca nacional. Nas chorosas colunas que se seguiram à sua prisão, os cães de guarda da mídia acusavam Lula, Bastos e Lacerda de, ao invadir o templo de luxo e prazer dos paulistanos, suscitar a luta de classes no Brasil.

Que o digam as classes em luta. Durante a invasão do prédio da Daslu, moradores de uma favela próxima não tiveram dúvida: uns se refugiaram dentro de casa, outros, nos matagais próximos. Só mais tarde puderam perceber, estupefatos, que o aparato policial em movimento não os tinha como alvo, mas, sim, os grã-finos da vizinhança.

Em 2012, o jornalista Boris Casoy, apresentador da TV Bandeirantes, chegou a acusar Lula pela morte de Eliana Tranchesi, vítima de um câncer no pulmão, naquele ano. Casoy, conhecido nacionalmente por tratar garis como lixo, ficou profundamente tocado pela morte da dona da butique, segundo ele, “humilhada” pela ação da Polícia Federal.

Nesses tempos em que delegados da PF se organizam em turmas partidárias para fazer campanha para Aécio Neves nas redes sociais, chamar Lula de “anta” e patrocinar vazamentos seletivos contra o governo da presidenta Dilma, é de se pensar, com saudade, na memória de Márcio Thomaz Bastos.