A corrupção e o sucesso do partido espanhol “Podemos”, fenômeno da esquerda europeia

Atualizado em 24 de novembro de 2014 às 18:26
Pablo Iglesias, o líder do partido
Pablo Iglesias, o líder do partido

 

Após uma série de protestos organizados pelas redes sociais que reivindicavam mudanças na política e na sociedade por considerarem que nenhum dos partidos políticos os representavam, um nome surge carregando o grito das ruas (em especial o “basta de corrupção”). Jovens desiludidos com o sistema político e por tabela desconfiando de todos os partidos buscam algo totalmente novo, desinfetado, e afirmam que apostarão seus votos ali. Já em seus primeiros meses de vida a promessa lidera as itenções de voto, deixando as grandes legendas para trás.

Estamos em um Brasil fictício de 2013 em que a REDE de Marina Silva vingou e arrebanhou a massa? Não. Espanha 2014, mundo real. O PODEMOS espanhol em seu primeiro ano conquistou cinco cadeiras no Parlamento europeu e em uma recente pesquisa de intenção de voto ficou em primeiro lugar, por ecoar fortemente os anseios que vêm desde o movimento Indignados naquele país.

Originado na insatisfação com o bipartidarismo e com os casos de corrupção no país, o PODEMOS se apresentou não como um partido mas como um “novo método participativo, pensado para transformar a indignação em mudança política.” O responsável pela organização, o ativista social Miguel Urbán, sempre mostrou sua preocupação com a corrupção (que viria como chaga número um) mas as questões que há décadas assolam a Espanha como o alto desemprego, o aumento da pobreza e as consequências das medidas de austeridade também são tratados.

O movimento trabalha com a meta de modificar até o tão festejado futebol espanhol que sofre de alguns problemas similares aos nossos e propõe o combate a distribuição desigual do dinheiro da TV entre os clubes, um teto salarial para que os mais ricos não se distanciem tanto dos mais pobres e obrigatoriedade do estudo para os jogadores da primeira divisão. Enfim, um sacode geral.

Mas um movimento ou partido que tem como carro-chefe da plataforma o combate à corrupção é algo que se deve ser levado à sério? Um partido que se intitula incorruptível, ao se desmembrar em inúmeras faces para atender aos acordos políticos, composto por seres humanos, levará quanto tempo para ter um aliado pego em flagrante?

Política sem corrupção é uma utopia como desejar o mundo sem corrupção, ou a raça humana composta de 100% de seus espécimes incorruptíveis (esse grito mesmo que ouve-se hoje – ‘começar do zero’ – como imaginam fazer isso? Alteração genética?)

Corrupção sempre existiu e por isso a propaganda feita por seus combatentes na maioria das vezes se apoia em falácias. Por aqui ouvimos até que é algo endêmico, que em nenhum lugar do mundo há tanta corrupção, que nenhum partido ou governo foi mais corrupto do que o atual, que nunca se roubou tanto, que é preciso tirar todo mundo que está aí e começar do zero, que isso, que aquilo.

Não se combate a corrupção visando sua extinção. Ela é algo universal, atemporal e inerente à existência do polígono dinheiro/poder/benefícios/ser humano. Sempre existirá. Deve-se criar mecanismos que dificultem sua prática e punições que imponham receio e que sejam de fato cumpridas. Desejar o fim da corrupção assemelha-se a desejar a felicidade eterna, a perfeição.

Não é possível, ela é um fator humano. E as leis não evitam que algo seja feito, e sim determinam qual o preço a se pagar por tal comportamento. Uma vez que sejam duras e cumpridas com rigor, colaboram para atenuar, já que o contrário transforma práticas em epidemia.

Pode-se torcer muito para que um país tenha sucesso nessa empreitada (e por isso não desdenho das intenções do PODEMOS) e observar quais medidas passem a funcionar. Penas duras, por exemplo, num país em que a cultura da corrupção já está arraigada podem não ser necessariamente multas altas. O ditado de que o bolso é a parte mais sensível do ser humano é levado ao pé da letra mas multas muito altas também colaboram para a indústria da corrupção (vale mais a pena pagar para ao fiscal, por exemplo).

O discurso contra a corrupção sempre cai num vazio dada sua hipocrisia. Raros são os casos e as pessoas que não se deixam corromper. A diferença está na esfera de atuação de cada um. Há aqueles que não querem sujar as mãos por pouco e envolvem-se nos grandes “acordos” proporcionais às suas posições hierárquicas e há aqueles que não têm acesso a grandes esquemas mas que no dia-a-dia admitem um gato na instalação da TV a cabo, uma sonegaçãozinha de imposto, um suborno “sem grandes consequências”.

Se diferem na dimensão, as justificativas são similares na vitimização. “Fui coagido a participar” é o que se ouve dos grandes tubarões (como estivessem num beco sem saída e não em um saguão chamado ganância). Já o “todo mundo faz, porque serei o honesto trouxa?” é o argumento dos pequenos contraventores e assim cria-se toda uma cultura.

Então quem pode mesmo pintar o rosto de verde-amarelo e sair acusando os outros de ladrões, corruptos, dizer-se cansado de roubalheira, demonstar indignação?

Penas severas para corruptos e menos hipocrisia, por favor. Quer o fim da corrupção? Seja honesto.