Se a marcha era para gritar contra a corrupção e por um país mais justo e, especialmente, ético, nada mais natural que Geraldo Alckmin, Aécio Neves e Marta Suplicy tenham saído pela porta dos fundos, sem falar e acuados pela fúria da massa.
Aécio é pentacitado na Lava Jato. Precisa mais? Alckmin, para ficar no escândalo da vez, comanda um governo acusado de formar quadrilha para roubar a merenda das escolas.
Marta deixou o PT, após uma passagem sofrível pela prefeitura de São Paulo, onde passou longe de receber atestado de boa conduta, para se abraçar com o PMDB de Renan Calheiros, Eduardo Cunha e Michel Temer.
O povo é bobo e ainda acredita em história da carochinha?
Não é o que sentimos quando falamos com as pessoas – mesmo aquelas que defendem um posicionamento ideológico mais à direita.
Renato Sckmidt, 46 anos, analista de telecomunicações, foi com a mulher e amigos na manifestação.
“Qualquer denúncia tem de ser apurada. E, comprovada, tem de haver punição: seja o aeroporto construído em terras da família, propina de Furnas ou o vergonhoso escândalo da merenda”, diz ele. “O Brasil virou uma esculhambação. São uns caras de pau. Onde já se viu pagar R$ 250,00 por centímetro de ciclovias?”
Milie Mukono, gerente de projetos, tem 30 anos e é recém-casada com Marcelo, analista de sistemas. Levaram o filho Bernardo, de cinco meses.
“Estamos fazendo isso por ele”, disse Milie. “Se queremos que ele viva num país melhor, temos de fazer a nossa parte: protestar e batalhar por mudanças”.
Logo à frente, o casal Nicolas Lorentziadis e Luiza também se dizia desencantado.
“Temos de pensar uma coisa de cada vez”, comentava Nicolas. “O foco agora é o governo Dilma, mas o fato é que o povo está cansado de tanto desmando. O que vier à tona precisa ser apurado, e os responsáveis, punidos”.
A esposa foi irônica: “A real é que todo político rouba um pouquinho”.
Tivessem notado outro detalhe simples da manifestação e Geraldo, Aécio e Marta podiam ter evitado o vexame de terem sido enxotados da avenida.
Os protestos eram sim contra a corrupção, e contra o governo Dilma e o PT, mas a agenda da maioria mais ruidosa ali presente não era a do PSDB, muito menos do PMDB: era a agenda da direita mais ortodoxa, aquela que chega inclusive a defender a volta do regime militar.
Veja o caso da hoteleira Fernanda Attie, de 35 anos, mineira de Uberlândia radicada em São Paulo.
“Como não posso votar no Sérgio Moro, meu integral apoio vai para o Bolsonaro”, dizia, feliz e graciosa, num conjuntinho estilizado da seleção. “Essa foi a roupa que achei mais adequada para um dia como o de hoje”.
Francisco Reichmann, de 76 anos, contava com orgulho que participou em 1964 da marcha da família com Deus pela liberdade.
“Descemos a Nove de Julho até o Vale do Anhamgabaú, foi lindo”, disse. “Naquele momento, éramos contra uma ideologia. Hoje, somos contra a corrupção e pela liberdade”.
Neste vácuo de lideranças, o empresário Luiz Augusto, acompanhado da esposa, Maria Cecília, lembrava que o desgoverno e a descrença levaram o país a uma situação inusitada.
“Reparou que hoje somos governados pelo Judiciário?”, perguntava, irônico, enquanto ouvia a juventude tucana, de cima do caminhão de som, entoar cânticos contra Cuba, contra o comunismo e contra a bandeira vermelha do PT.
O cenário não podia ser melhor para os membros do Partido Militar. Armaram tendas em diversas manifestações país afora, num mutirão para recolher assinaturas e chegar nas 500 mil adesões necessárias para a oficialização da sigla.
“Já temos 320 mil”, contava, empolgado, o presidente do diretório paulistano, Julio Gouveia.
Se o enterro de Lula se consolidou, e se o governo Dilma continua na base do balança mas não cai a partir deste domingo de festa democrática, não é o PSDB de Geraldo e Aécio, tampouco o PMDB de Marta que têm o que comemorar: a vitória é de Kim Kataguiri e seus seguidores do Movimento Brasil Livre.
A direita deu um passo adiante.