A discrepância de tratamento entre ricos e pobres na Justiça gerou o descalabro de hoje. Por Mauro Donato

Atualizado em 16 de janeiro de 2017 às 19:08

presos favela

 

Todos já sabíamos que Eduardo Cunha possuía milhões de dólares depositados no exterior, oriundos de suas ilicitudes. Ainda assim seu processo de cassação foi o mais longo da história da Câmara dos Deputados. Onze meses. E depois mais outros tantos até colocá-lo atrás das grades.

Já a audiência de um pedreiro de 21 anos, acusado de portar 20 pinos de cocaína, um baseado e míseros R$ 37, durou 15 minutos. Foi condenado a um ano e 8 meses em regime fechado. A juíza demorou mais tempo escrevendo a sentença do que toda a audiência. O pedreiro Felipe teve 3 minutos para se defender. Não havia testemunhas de defesa, nem parentes, nem amigos. Prevaleceu a versão dos policiais.

É assim que se desenvolve uma das maiores populações encarceradas do planeta. A 4ª, mais precisamente. Estados Unidos, China e Rússia vêm na frente.

Mais de 600 mil pessoas estão presas no Brasil; mais de 50% delas não têm sequer o ensino fundamental; 55% têm entre 18 e 29 anos; 62% são pretos/pardos. Precisa dizer que a imensa maioria também é pobre? É realmente necessário apontar a porcentagem dos moradores de perifieria? Precisa dizer em que fatia do gráfico se enquadra o referido acusado deste texto?

Talvez nenhum outro termômetro represente tão bem a desigualdade e injustiça no país. Menos de 1% dos presos que estão no sistema carcerário lá se encontram por crimes relacionados à corrupção (dados do próprio Ministério da Justiça). A corrupção, que desvia bilhões de reais dos cofres públicos, de recursos destinados para fins sociais e coletivos.

Os corruptos que embolsam quantias suficientes para presentear a esposa com uma jóia de 800 mil reais, comprar lanchas e helicópteros, habitar mansões incompatíveis com seus salários. Os estelionatários que são os responsáveis por manter a pobreza do povo no patamar aviltante que conhecemos, estes ficam livres ao se utilizarem de manobras jurídicas, livres por delatar o parceiro, livres por terem poder e dinheiro.

Por outro lado, a maioria dos detentos (aproximadamente 250 mil pessoas) está presa em caráter provisório, não foram condenadas nem mesmo em primeira instância e ainda aguardam julgamento. Muitos deles morreram nos últimos três grandes massacres ocorridos nas prisões país afora.

Ali, onde ‘autoridade’ disse que ninguém era santo. Não eram mesmo. Eram pretos e pobres. Em Curitiba também não há nenhum santo preso. Mas são brancos e ricos. Além de serem uns poucos gatos pingados.

Quando em 1982 Darcy Ribeiro sentenciou: “Se não construirmos escolas agora, daqui 20 anos faltará dinheiro para construir presídios” errou apenas por dez anos. A educação permanece longe de ser uma prioridade e o sistema prisional é uma bomba relógio. Construir mais presídios será ventilado como solução (o que é muito bom para empreiteiras amigas) ao passo que países sérios estão extinguindo-os.

A discrepância de tratamento entre ricos e pobres perante a justiça gestou a situação que temos hoje diante dos olhos. E ela, acredite, vem a calhar.

O filósofo Noam Chomsky descreveu algumas técnicas de manipulação popular. Uma delas, batizou de ‘problema-reação-solução’. Consiste em criar problemas (ou permitir que se desenvolvam) para depois oferecer soluções maliciosamente previstas.

Aguarda-se a reação do povo em face ao problema com a finalidade de que este se sinta o mandante das medidas – alguém aí lembra do impeachment? Com o caos instalado nos presídios, a pena de morte vai voltar com força total ao debate, beneficiando monstruosidades como Jair Bolsonaro e todos aqueles adoradores do cerceamento de liberdade.

Não se iluda. Alexandre de Moraes sabe o que está fazendo.