A grande conquista das manifestações pela democracia já está acontecendo. Por Nathali Macedo

Atualizado em 1 de abril de 2016 às 14:21

“Dia 31 vai ser maior”, disse o povo de Salvador que foi às ruas em defesa da democracia em 18 de março.

E foi.

As mesmas vozes tão pacíficas quanto combativas da manifestação anterior foram hoje ouvidas nas ruas de Salvador: um coro hegemônico que não cultua o ódio, mas assume uma postura cada vez mais rígida e corajosa diante dos disparates golpistas a que temos sido expostos.

Em meio à aglomeração de manifestantes solícitos uns com os outros (a despeito da indignação que só se fortalece), aproximei-me de uma vendedora ambulante. No isopor que guardava as garrafas de água mineral vendidas por um real, um adesivo vermelho com os dizeres “Não vai ter golpe!” denunciavam que ela não estava ali apenas a trabalho: a sua voz também era ouvida, ela também fazia parte daquela multidão de cidadãos convictos e concentrados no objetivo de defender a democracia.

Perguntei-lhe o que eu já sabia, tentando extrair dela qualquer coisa que me fizesse compreender ainda mais claramente que ela partilhava dos mesmos sentimentos que eu: “A senhora veio só pra trabalhar?” “Não”, ela disse, “eu vim porque o governo dos ricos não pode voltar. A gente que é pobre precisa lutar pelos nossos direitos, né? Precisa se informar”.

Patrícia, a ambulante que eu acabara de conhecer, tocou no ponto exato que define a manifestação de hoje: o processo de conscientização política das classes baixas já está acontecendo.

A grande conquista das manifestações pela democracia, na verdade, já chegou. O povo – antes tão vulnerável a uma mídia tendenciosa ou a discursos políticos superficiais que lhes eram vendidos prontos – agora reconhecem a necessidade de compreenderem-se como parte dos processos políticos de seu país.

Nathali na manifestação: Não vai ter golpe
Nathali na manifestação: Não vai ter golpe

Lembro-me dos comícios políticos aos quais meus pais me levavam na infância. Numa pacata cidade do interior baiano, política era o que menos se via nos shows musicais que transformavam-se em celeiros de politicagem barata.

O povo – a grande massa de eleitores que movia a política local – não se apropriava de conceitos propriamente políticos e não compreendia – ao menos não a maioria – pelo que, afinal, deveriam lutar: apenas vestiam as camisas de um candidato qualquer (literalmente) e defendiam suas opiniões (que na verdade sequer existiam) com base nos discursos repetitivos que se espalhavam pela cidade em período eleitoral.

Em uma escala macro – nacionalmente falando – a mesma realidade lamentável se repetia: um povo que entendia de partidos mas não entendia de política, a verdadeira política que devemos promover e problematizar todos os dias.

É reconfortante notar que essa realidade mudou e continua mudando. Agora nós, o povo, não nos contentamos em levantar bandeiras que não nos contemplam, encorajados pela onda de cólera e entusiasmo que a polarização política costuma parir.

A cada dia em que vamos às ruas, nós vamos além: discute-se gênero, consciência de classe, mídia, direitos LGBT, racismo, feminismo, cidadania. E o melhor é que essas discussões chegam cada vez mais claramente ao verdadeiro povo, como chegou à Patrícia, por exemplo.

A esquerda unida que nos tornamos não está disposta a convencer, está disposta a dialogar – mesmo porque todos os fatos colocam-se tão claramente que até um completo ignorante político é capaz – basta querer – de enxergar esta realidade política clara e alarmante.

Nossa luta chega às comunidades quilombolas, aos Pataxós, aos estudantes, aos manifestantes apartidários, às feministas – a todos, indistintamente.

De tão organizados – e agora dispensando qualquer modéstia – nós temos feito a direita fascista recuar. A Globo tem sentido os efeitos do golpismo onde dói – no Ibope – juristas como Sérgio Moro têm sido obrigados a cinicamente se desculparem e “artistas” que incitavam o ódio e apoiam o golpe – como Lobão – têm levantado falsas bandeiras de paz que, na verdade, representam a mais sórdida covardia. Eles perceberam, talvez tarde demais, que o povo brasileiro está unido e atento.

A direita está cada vez mais desesperada e nós cada vez mais tranquilos e convictos de que o voto de 54 milhões não será desrespeitado.

Talvez por isso – aliás, certamente por isso – o clima agora é de comemoração: verdadeiramente, uma festa da democracia – porque sabemos o que estamos fazendo e principalmente porque sabemos que, no fim, a democracia vencerá.