A indicação de Perrela para a comissão do impeachment traz uma questão: que deu do Helicoca? Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 21 de abril de 2016 às 6:04
Amigo de Aécio e dono do Helicoca: Perrela
Amigo de Aécio e dono do Helicoca: Perrela

A indicação do PTB para Zezé Perrella compor a comissão especial que vai analisar o impeachment da presidente Dilma Rousseff no Senado Federal é uma boa oportunidade para saber o que aconteceu com os envolvidos na apreensão de quase meia tonelada de pasta base de cocaína, no helicóptero da família Perrella. Em poucas palavras, nada, não aconteceu nada.

O processo está na mesa do juiz federal Marcus Vinícius Figueiredo de Oliveira Costa, da Primeira Vara Federal Criminal do Espírito Santo, aguardando sentença, desde o dia 22 de outubro do passado, quando completou quase dois anos do flagrante da Polícia Federal em uma fazenda do município capixaba de Afonso Cláudio.

O helicóptero e a droga foram apreendidos no dia 23 de novembro de 2013, depois de uma viagem até o Paraguai, onde a droga foi embarcada. O helicóptero era pilotado por um funcionário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, que tinha sido nomeado pelo deputado estadual Gustavo Perrella, filho do senador. O helicóptero ganhou nas conversas informais de funcionários da Justiça Federal no Espírito Santo o apelido de Helicoca.

Com o piloto lotado na Assembleia Legislativa, estava no Helicoca Alexandre José da Costa Júnior, também piloto, na época dono de uma escola de pilotagem no Campo de Marte, em São Paulo. Os dois viajaram de sexta a domingo, no Robinson 66, o R66, com documentação em nome da Limeira Agropecuária, empresa registrada em nome do filho deputado e de uma filha do senador.

O delegado da Polícia Federal que presidia o inquérito levou alguns dias para declarar, oficialmente, que a família Perrella não era investigada. Fez a afirmação depois de ler as mensagens trocadas entre os pilotos pelo celular, e concluiu que a operação era uma iniciativa dos dois pilotos. Juntamente com eles, foram presos um empresário do Rio de Janeiro e um jardineiro, que aguardavam em solo para descarregar e transportar a cocaína.

Um empresário do Espírito Santo, dono da fazenda programada para receber o pouso do Helicoca, foi indiciado, mas, como não estava presente no local do flagrante, respondeu ao inquérito em liberdade. Cinco meses depois do flagrante, no dia em que tomaria o depoimento dos quatro presos, a Justiça Federal adiou a audiência e colocou todos em liberdade.
Um ano depois, o empresário dono da fazenda também foi excluído do processo, a pedido do Ministério Público Federal, sob alegação de falta de provas e hoje respondem por crime de tráfico apenas os dois pilotos, o empresário do Rio de Janeiro e o jardineiro.

Mesmo que condenados, os quatro não serão presos, já que podem recorrer em liberdade e o juiz federal, na conversa informal que teve comigo depois de colocá-los em liberdade, disse que a prisão, pelo Direito brasileiro, não é regra no processo criminal, mas exceção. Quando conversamos, por mais de quatro horas em seu gabinete, Sérgio Moro e a Lava Jato não estavam presentes no noticiário.

O processo por tráfico de drogas no Espírito Santo corre sob sigilo parcial. Mas, conversando com advogados e representantes do Ministério Público, é possível saber que o inquérito da Polícia Federal deixou lacunas.

Por exemplo, o relatório sobre os celulares apreendidos com o empresário do Rio – Robson Ferreira Dias. — mostra que ele usava pelo menos três linhas, uma delas de prefixo 37, da região de Divinópolis, Minas Gerais, onde está o município de Cláudio, do primo de Aécio Neves, Kedo Tolentino, que já foi preso por negociar com um desembargador habeas corpus para libertar traficantes.
Na relação das chamadas encontradas nos aparelhos, o agente Pacheco encontrou algumas ligações para uma agência de comunicação instalada na avenida Luiz Carlos Berrini – eu entrei em contato com a agência e aguardo resposta, e é em razão disso que não divulgo o nome, já que as ligações podem não ter nenhuma relação com o flagrante da Polícia Federal.

Num manifestação do processo, o advogado Paulo Henrique da Costa Júnior, que defende o piloto que trabalhava para Gustavo Perrella, destaca algumas estranhezas da investigação da Polícia Federal.

Ele conta que a apreensão do Helicoca é um desdobramento de um antigo inquérito da Polícia Federal, que já dura mais de sete anos, que nasceu como fruto de um acordo do Brasil com a DEA, agência norte-americana de combate ao tráfico.

Apesar de antigo, o inquérito tem um saldo pequeno em prisões e apreensões de drogas. O advogado Paulo Henrique diz que uma equipe de policiais sabia do voo do Helicoca e poderiam ter feito a prisão num hotel na Grande São Paulo, onde a droga ficou escondida por uma noite e parte dela – cerca de cinquenta quilos – não seguiu para o Espírito Santo.
Os policiais poderiam ter feito a prisão também durante um pouso que o Helicoca fez em Minas Gerais, a poucos quilômetros de Cláudio, já que monitoravam as conversas dos pilotos.

“É razoável suspeitar que o flagrante no Espírito Santo pode ter sido feito por uma equipe da Polícia Federal que não tinha nenhuma relação com o grupo da PF que investiga tráfico internacional de drogas já há bastante tempo”, comentou.
Por que os policiais federais estavam lá, à espera do pouso do helicóptero do senador? Esta resposta não está no inquérito.

O que já está descartada é a versão, contada inicialmente pela PF do Espírito Santo, de que um grupo de PMs capixabas suspeitavam que alguma coisa estranha, possivelmente criminosa, poderia acontecer na fazenda de Afonso Cláudio naquele 23 de novembro.

Em razão da suspeita, acionaram a polícia federal, que mobilizou equipes e até um helicóptero para a operação. É uma história que não fecha, e a Justiça já a descartou, embora o processo não tenha sido anulado, como queriam os advogados, por flagrante forjado.

Mais frágil do que nariz de viciado em cocaína, o processo do Helicoca se arrasta no Espírito Santo. Mas, em Brasília, o dono do helicóptero – já devolvido à empresa da família – subiu à tribuna do Senado esta semana para pedir rapidez no julgamento da presidente Dilma Rousseff.

“Nós temos que votar isso rápido, presidente Renan. Temos que votar isso rápido, de uma maneira ou de outra, e virar essa página”, disse Zezé Perrella.
Para ele, não há dúvida sobre a culpa de Dilma. “O efeito das pedaladas é que foi, para mim, o mais devastador. É que, se as pedaladas não existissem, o presidente da República hoje era o Aécio Neves. O efeito das pedaladas fez com que o Brasil fosse mostrado de uma maneira colorida, como se não existisse problema nenhum. Houve para mim, nesse episódio, um estelionato eleitoral”, pontificou.

Seu pronunciamento, de pouco mais de oito minutos, foi interrompido por outro senador, que concordou com ele e o elogiou. Era Ricardo Ferraço, do PSDB. O Estado que ele defende? O Espírito Santo onde o Helicoca deixou quase meia tonelada de pasta base de cocaína. No Brasil, assim como na Colômbia da época de Pablo Escobar, a realidade é fantástica.