Como o horror se instalou no Egito

Atualizado em 16 de agosto de 2013 às 7:30

No poder, a Irmandade Muçulmana cortejou a polícia e o exército — e o país está pagando o preço.

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Publicado no Common Dreams. A autora, a jornalista e escritora egípcia Ahdah Soueief, lançou em 2012 um livro sobre a revolução de seu país.
 

Na quarta-feira (14), a polícia egípcia foi para cima dos acampamentos da Irmandade Muçulmana. O Cairo e muitas outras cidades estão divididos: alguns bairros estranhamente vazios, as lojas fechadas, sem carros nas ruas. Outros têm batalhas, armas, veículos blindados e gás lacrimogêneo. Mais uma vez estamos vendo imagens de corpos empilhados no chão dos hospitais de campo.

Nada disso é inesperado. A estrada que nos trouxe até aqui foi escolhida deliberadamente. Há quase três semanas, desde que o general Abdel Fatah al-Sisi exigiu um mandato para lidar com “a situação da segurança”, o país foi chegando cada vez mais perto da crise. A Irmandade escolheu criar pequenos enclaves de desafio. O Estado declarou que teve que dispersá-los. Várias rodadas de negociações fracassaram.

A retórica de ambos os lados foi censurável, inaceitável, desumana. Algumas pessoas têm insistido no papel da polícia para minimizar o uso de violência, a não-negociação dos direitos humanos básicos e o que vai acontecer depois que os acampamentos forem desativados.

Não há dúvida que a Irmandade acha que a justiça e a legitimidade estão ao seu lado. Não há dúvida de que seu ano no poder não ganhou a simpatia do país. Mas também não há dúvida de que teria sido melhor se a Irmandade tivesse sido posta para fora através do voto, e não forçada a sair.

Poderíamos ter esperado as eleições parlamentares? Os muitos milhões de pessoas que saíram às ruas em 30 de junho não pensam assim. Eles saíram novamente quatro semanas mais tarde para responder ao pedido de Sisi por um novo governo. A mídia se reinventou e apoiou os militares.

E então agora o que temíamos acabou acontecendo: a polícia, apoiada pelos militares, entrou em cena. A contagem de mortos vai subir. A Irmandade está perguntando como “o povo” está permitindo que isso aconteça. E tem aparecido bem na imprensa estrangeira e na opinião pública mundial.

Mas sua retórica em árabe tem sido violentamente sectária e, como resposta aos ataques da polícia aos acampamentos, igrejas em Assiut, Sohag, Minya, Suez e Arish estão sendo incendiadas. Em Minya, também, a escola jesuíta foi queimada. Templos cristãos e casas estão sendo atacados.

No meio desse caos, o portal Liberdade e Justiça, da Irmandade, publica: “Grupos de bandidos cristãos, protegidos pela polícia, tentam atacar manifestantes muçulmanos”. O discurso sectário promovido pela Irmandade e os atos destrutivos e assassinos dos últimos meses levaram a esse resultado imperdoável.

As centenas de milhares de pessoas dos acampamentos da Irmandade têm amigos e parentes. Um tuíte muito compartilhado diz o seguinte: “Três dos meus companheiros de revolução têm irmãos na Irmandade Muçulmana. Como eu deveria me sentir?”

Mas a Irmandade provou que sua atitude e ideologia básica são sectárias. Não é uma questão de comprometimento; o inimigo precisa ser derrotado. O massacre da polícia, no entanto, não vai derrotá-los. Essa força policial e militar só consegue responder com brutalidade aos desafios à autoridade. Muitos de nós continuam lembrando a todos que o exército passou um ano nos matando nas ruas, que a polícia e os militares não são os guardiões da pluralidade ou da democracia ou dos direitos humanos ou de qualquer um dos valores pelos quais este país se levantou em janeiro de 2011.

Por um breve momento, há dois anos, acreditávamos que progressistas, liberais e simpatizantes da Irmandade poderiam trabalhar juntos por um estado civil. Em vez disso, a Irmandade, no poder, cortejou a polícia e o exército — e, hoje, o país e a revolução estão pagando o preço.