A lição da justiça da Alemanha nazista para o Brasil, segundo o ex-ministro Eugênio Aragão. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 29 de setembro de 2016 às 11:19

 

O ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão tem sido uma das vozes mais ativas do Brasil contra os abusos e a seletividade da Lava Jato. Faz um paralelo com o Tribunal Popular do Nazismo.

Aragão ficou meses no cargo. Sua coragem e a contundência contrastaram com o “republicanismo” do antecessor, José Eduardo Martins Cardozo — conceito precioso transformado em sinônimo de ser subjugado calado. “Não é justo com ele… Eu já peguei o barco adernando”, afirma.

Ele foi o entrevistado da semana no programa do DCM na TVT. Aragão se preparava para dar uma palestra na Casa do Saber, em São Paulo, num ciclo que tinha também como convidado o ministro Gilmar Mendes.

Destaco alguns trechos da entrevista.

Sobre Moro: “No momento que o Tribunal Regional Federal da 4ª região afirma que em tempos excepcionais as leis são excepcionais e não precisam ser observadas as leis, tudo é possível. Parece que  que todo o direito brasileiro foi revogado pelo TRF, que é quem supervisiona a área de Curitiba, para dizer que Moro pode tudo. Então, se Moro pode tudo, seus amigos e o grupo em volta dele também podem. Nós estamos num momento em que parecemos jogados nos escombros daquilo que um dia a gente pensava que era a democracia e a segurança jurídica.

Sobre Deltan Dallagnol: “Quando um procurador vai a uma igreja fazer populismo penal, está alimentando uma cadeia de ódio, por mais que ache que estar dentro de uma igreja significa fazer um papel de purificação. O direito penal é um instrumento de violência do estado. Entanto você fazer, dentro de uma igreja, propaganda do direito penal, para mim parece uma contradição, tanto para a religiosidade quanto para o direito penal. Chega a ser obsceno”.

Sobre uma liberdade total de ação: “Na verdade, tanto o juiz Sérgio Moro quando os procuradores e os delegados estão todos correndo soltos. Parecem bola de gude em boca de banguela.”

Sobre o papel do STF: “Não tem balizamento. Ninguém diz ‘aqui você não pode chegar’. O Supremo declarou ilegais as gravações que Moro publicou a respeito da conversa da presidenta com o Lula. Nesse momento, o que deveria ter sido feito? Mandar imediatamente para a Procuradoria Geral da República para fazer promover um inquérito policial contra o juiz no TRF da 4ª região por conta do crime de quebra de sigilo. Aquilo é um crime. Mas não. Ficou por isso mesmo.”

Sobre a nossa justiça e a da Alemanha de Hitler: “O atual momento me lembra muito a visão de justiça nazista. O Roland Freisler, que era o presidente do Volksgerichtshof, o Tribunal Popular da Alemanha fazia exatamente isso — ‘tempos excepcionais exigem leis excepcionais’. Tudo era para garantir o que se chamava Gesundes Volksempfinden, a pureza, a limpeza do sentimento popular. É o que nós estamos vivendo hoje quando um juiz diz que tinha que publicar grampos porque o povo tem que saber dessas coisas. Ele se comportou como Roland Freisler, ele está protegendo a Gesundes Volksempfinden. Nós vimos cenas de pugilato com o senador Lindbergh nas ruas e as pessoas acham normal. É assustador”.

Roland Freisler desempenhou um papel crucial na deturpação do judiciário alemão durante a era Hitler.

Tinha um forte traço patriótico desde a juventude. Foi condecorado com a Cruz de Ferro por suas ações na Primeira Guerra Mundial.

Dono de um vasto conhecimento legal, histriônico, entrou no Partido Nazista em 1925. Teve uma carreira ascendente a partir do triunfo de Hitler em 1933.

Tornou-se rapidamente um dos juízes mais temidos da Europa, graças a uma combinação de excelente conhecimento jurídico com táticas agressivas na corte.

Freisler era capaz de negar um cinto a um réu para, em seguida, condena-lo por suas calças arriarem. Ajudou a dar suporte legal para o Holocausto judeu.

Em 1942, virou presidente do Tribunal Popular, um sistema administrativo separado do sistema judicial regular. 90% dos casos levados a ele resultaram em pena de morte ou prisão perpétua.

Freisler conseguiu fazer de seu tribunal uma arma psicológica e uma forma de controlar os cidadãos sob o nacional socialismo, conferindo aos veredictos algum tipo de legitimidade retorcida.

Entre 1942 e 1945, calcula-se que tenha mandado 5 mil pessoas para a morte, mais do que o Tribunal Popular conseguiu de 1934 a 1942. Arruinou homens por causa do que chamava de “derrotismo”, por venderem bugigangas no mercado negro ou por ser lentos no trabalho.

Tudo cabia sob o guarda chuva de “crimes políticos”. Freisler supervisionou o caso dos integrantes do grupo Rosa Branca, capturado pela Gestapo. A organização não-violenta foi destruída e seus líderes foram para a guilhotina em 1943.

O julgamento foi filmado e usado como propaganda.