A melhor telenovela dos últimos 40 anos

Atualizado em 19 de novembro de 2014 às 15:06

 

Talvez seja uma traição da memória afetiva, mas novelas já foram boas ou relativamente boas. Ou não eram tão terríveis. Havia, ao menos, uma certa coerência na trama e não tantos solavancos absurdos para impedir — inutilmente — o Ibope de desabar. Também pode ser nostalgia, mas não se berrava tanto. Sem contar o detestável merchan.

Mas há um bom folhetim no ar e ela se chama “Downton Abbey”. Passa no canal GNT. Tecnicamente é uma série, mas tem todos os elementos de um bom drama de época do tempo em que você acreditava em “Escrava Isaura” e o mundo podia ser mais inocente. Esqueça o cinismo, a violência, a nudez, a modernidade, a ousadia narrativa de “Breaking Bad”, “Mad Men”, “Game of Thrones”, “Boardwalk Empire” etc.

“Downton Abbey” é o nome da imensa propriedade em Yorkshire de uma família de aristocratas ingleses do início do século passado. O império onde o sol nunca se punha está indo para o buraco, a fortuna daquele clã também, juntamente com seus valores, e ninguém sabe muito bem o que fazer com isso.

Cora e Robert Crawley, condessa e conde de Grantham, têm três filhas. A mais velha, Mary, está em idade de se casar. Como a herança não é transmitida para mulheres, arranjou-se um casamento com um primo distante e o herdeiro legítimo. Mas ele desaparece no desastre do Titanic e seu substituto é outro primo, o jovem advogado Matthew.

A única maneira de Mary manter a grana onde está é desposar Matthew, o burguês. Conseguirão Mary e Matthew superar as barreiras de classe? E seus pais, aceitarão? Como pano de fundo, a Primeira Guerra Mundial, a Revolução Russa, os primeiros sinais de liberação feminina, a ascensão dos EUA, o sistema de classes britânico. A vasta criadagem — amas, lacaios, mordomos, motoristas — oscila entre o ódio e a lealdade cegos a seus chefes.

Vilões são vilões, mocinhos são mocinhos. Não há espaço para antiherois. A fotografia é esplêndida e o dinheiro gasto na produção aparece gritando em cada capítulo. Ganhou alguns Emmys e Globos de Ouro, entre eles o de melhor série dramática.

O fato de ser uma história contada de maneira, digamos, ortodoxa não impede que haja surpresas, reviravoltas e polêmicas. Uma seqüência de estupro de uma camareira causou comoção. O autor, Julian Fellowes (vencedor de um Oscar pelo roteiro de “Assassinato em Gosford Park”) se defendeu. “O ponto é que não fazemos nada de maneira gratuita”, disse. “Nós estamos interessados em explorar emoções e os efeitos que elas causam nas pessoas”.

Alguns críticos enxergaram em “Downton Abbey” esnobismo, “necrofilia cultural” e “ignorância social”. É mau humor. Apenas que os criados não são todos virtuosos e os ricos não são um bando de bêbados hipócritas decadentes. Ok, é um mundo mais simples e de mentira, mas a intenção não é fazer sociologia. Provavelmente falte uma coisa a “Downton Abbey”: Sônia Braga. Mas, como diz Lady Violet (Maggie Smith), uma excelente caricatura de uma dama sofisticada e mestre das tiradas witty: “Não seja derrotista, querido. Isso é muito classe média”.