A morte do surfista Ricardinho é um alerta para os detratores do Estatuto do Desarmamento

Atualizado em 22 de janeiro de 2015 às 15:45
Ricardinho
Ricardinho

A morte do surfista Ricardo dos Santos serve de aviso para os defensores da revogação do Estatuto do Desarmamento. Ricardo foi morto por motivo banal, atingido por dois tiros após uma discussão com o policial militar Luis Paulo Mota Brentano, de folga no momento do crime. Não é preciso esforço para supor que o desfecho do desentendimento seria diferente se entre os dois não houvesse uma arma de fogo.

Em 2012, o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), lançou a campanha “Conte Até 10”, para sensibilizar a população e prevenir crimes motivados por atitudes impulsivas ou causas banais. Na época o CNMP fez um estudo baseado em dados de homicídios com causas esclarecidas em 15 estados brasileiros e constatou que os homicídios por motivos fúteis totalizaram entre 25% e 80% desses assassinatos, dependendo do estado. Em Santa Catarina, estado natal de Ricardo e onde ele foi morto, o percentual foi de 74,46% , em 2011, e 82,13% no ano seguinte.

Outro estudo, do doutor em economia e diretor do Ipea Daniel Cerqueira, revelou que a cada aumento de 1% de armas de fogo na cidade de São Paulo, a taxa de homicídios sobe de 1% a 2%.

Os dados levantados pelo CNMP, a pesquisa do economista e os vários casos de assassinatos à bala após discussões de trânsito ou bate-bocas, no entanto, são insuficientes para fazer a  “bancada da bala” desistir de armar a população. Uma dessas tentativas é o projeto de lei 3722/2012.

De autoria do deputado Rogério Peninha Mendonça, do PMDB e por coincidência do mesmo estado de Ricardo dos Santos, o PL 3722/2012 revoga o Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003) e abranda as regras para obtenção de armas de fogo. Entre outras medidas, reduz de 25 para 21 anos a idade mínima para aquisição de uma arma e aumenta o número máximo de munição que pode ser adquirida. Os 50 cartuchos anuais permitidos pelo Estatuto seriam transformados em 50 mensais pelo projeto de lei.

O disparo dos congressistas beligerantes mascou e o PL foi arquivado em dezembro do ano passado, mas o deputado Mendonça, reeleito, prometeu que vai continuar na luta pela aprovação do projeto.

Essa turma acredita que as armas legalizadas não provocam incidentes, pois seus donos passam por cursos de capacitação e avaliação psicológica. Se isso evitasse atos estúpidos Ricardo dos Santos estaria vivo, já que o autor dos disparos, na condição de policial militar, passou por exames médicos, testes psicológicos e cursos de tiro antes de ter o direito de portar a arma.

O pior de tudo isso é que o comportamento de Luis Brentano não é um ponto fora da curva. Há vários casos em todo o país de policiais fora do serviço promovendo tragédias com suas armas de fogo. Aqui no Espírito Santo, em 2011, um policial militar de folga matou um caminheiro depois de uma discussão no trânsito. A vítima estava desarmada e foi atingida por dois tiros, na cabeça e no peito. Mesmo assim o acusado alegou legítima defesa – mesmo argumento usado pelo policial catarinense para justificar os tiros contra o surfista Ricardo.

Se agentes treinados para suportar situações de pressão e orientados a usar a arma apenas em casos extremos e inevitáveis matam à toa, por que cidadãos comuns fariam diferente?

“Acidentes acontecem”, disse o deputado Mendonça em entrevista ao IG na qual defende seu projeto de lei. Quero ver ele falar isso para os familiares de Ricardo dos Santos e de tantas outras vítimas mortas por tiros banais.