A morte épica no Titanic do inventor do jornalismo investigativo

Atualizado em 12 de abril de 2012 às 13:48
Stead

 

E mais uma vez o Titanic volta aos holofotes na Inglaterra. É o centenário do espetacular naufrágio do navio que não podia afundar. Até o filme de James Cameron volta aos cinemas, numa versão 3 D. Mais uma oportunidade, portanto, de ver Kate Winslet pelada no esplendor de sua beleza clara, rechonchuda, quase pura.

Uma série de programas da BBC conta histórias do Titanic. Descendentes dos passageiros e da tripulação são encontrados. Como não ficar impressionado com o heroísmo dos músicos da orquestra, que tocaram até o fim? Ou não se indignar com a covardia extrema do magnata que arrumou um lugar num bote salva-vidas deixando para trás crianças e mulheres?

Mas o caso que mais de toca diz respeito a um jornalista. Não um jornalista qualquer, mas um dos maiores editores da história da imprensa, William Stead.

Ele era um dos passageiros.

Stead inventou o jornalismo investigativo. Se é verdade, como disse celebremente Keynes, que todo economista é escravo das ideias de um economista morto, somos – nós, jornalistas – escravos da obra de Stead.

Ele dirigiu, na segunda metade do século 19, a Pall Mall Gazette, um jornal de extrema influência na Inglaterra e, dada a importância britânica então, no mundo. Stead acreditava que os editores tinham mais condições de governar um país e mudá-lo para melhor que os políticos. Desde que, é claro, no topo da agenda dos editores estivesse o interesse público e não, como é tão comum, o interesse privado.

Kate Winslet no filme de Cameron

Stead, no seu maior momento como editor, terminou na cadeia. Três meses de detenção. Mas mudou a Inglaterra. Para mostrar como meninas estavam sendo usadas pelas gangues que viviam da prostituição, Stead escondeu a real identidade, se fez de gigolô e comprou uma garota mal saída da infância. O vendedor era o pai. Selada a compra, a história foi sensacionalmente contada na Pall Mall Gazette.

Foi um marco no jornalismo investigativo – pelo método, pela repercussão na sociedade e pelos resultados. A justiça inglesa elevou a idade do consentimento sexual entre as mulheres de 13 para 16 anos. Stead foi preso por ter ofendido a ordem pública, mas logo foi solto – e saiu da temporada de 90 dias na cadeia glorificado pelo triunfo jornalístico.

Era um homem absolutamente incomum. Foi um cruzado sincero e inabalável da paz. Combateu todas as guerras de seu tempo. Sua militância pacifista foi reconhecida. Ele estava indo para os Estados Unidos para um encontro pela paz, a convite do presidente americano William Taft. Rumores crescentes sussurravam que seria dele o Nobel da Paz do ano que em morreu no Titanic.

Sua morte, relatada por sobreviventes, é o maior testemunho do caráter de Stead. Ele jamais lutou por uma vaga nos botes salva-vidas, que sabia serem insuficientes para tantos passageiros. Era comum isso, naqueles dias: alguns anos antes, Stead escrevera um conto no qual narrava um naufrágio cheio de mortes. “É isso que pode acontecer enquanto os navios insistirem em partir com poucos salva-vidas”, escreveu no conto.

Enquanto o navio afundava, Stead passou seus últimos momentos na biblioteca do Titanic, lendo. Enfrentou o naufrágio como Sócrates a cicuta e morreu como o sábio que foi em vida. É uma pena que essa história tão inspiradora seja tão pouco lembrada nos filmes, nos documentários, nos artigos – em todas as recordações da saga do Titanic.