A ofensiva contra o Estado Islâmico está dando certo?

Atualizado em 9 de fevereiro de 2015 às 8:59

 

estado islâmico

Publicado na BBC Brasil.

 

Há seis meses, a coalizão liderada pelos Estados Unidos lançou operações contra os militantes do Estado Islâmico no Iraque e, depois, na Síria. O saldo da ofensiva é até agora paradoxal.

Enquanto o progresso do movimento do grupo extremista foi interrompido no Iraque, há um sentimento próximo ao desânimo em relação aos resultados ao longo de toda a fronteira.

Uma figura importante na coalizão liderada pelos Estados Unidos me disse: “No momento, nós não estamos indo a lugar nenhum na Síria”.

Uma série de recentes reveses acentua este ponto. Os Emirados Árabes Unidos, discretamente, se retiraram das missões de ataque na Síria, e, com isso, levantaram questões sobre o quão longe outros países, que não os Estados Unidos, estão indo neste conflito.

Também houve revelações sobre o fracasso da CIA, a agência de inteligência americana, para desenvolver uma força especial na qual rebeldes que lutam contra o presidente Bashar al-Assad possam confiar.

 

A divulgação de um vídeo, que mostra o piloto jordaniano Moaz al-Kasasbeh sendo queimado vivo, demonstrou, muito claramente, que o Estado Islâmico criou um refúgio seguro onde pode agir impunemente.

No início desta semana, Vincent Stewart, diretor da Agência de Inteligência de Defesa, principal organização militar de espionagem dos Estados Unidos no exterior, entregou ao Congresso americano uma avaliação que foi considerada por muitos como surpreendentemente pessimista.

Enquanto alguns comandantes afirmaram que os ataques da coalizão interromperam as ações do Estado Islâmico em seus territórios, o general Stewart disse que, neste ano, o movimento jihadista deve “continuar consolidando-se e ganhando terreno em áreas sunitas do Iraque e da Síria. Ao mesmo tempo, continuará lutando por território fora dessas áreas”.

 

Complexidade

Alguns parceiros da coalizão, como a Turquia e os países do Golfo, acreditam que nada pode ser feito até que a estratégia dos Estados Unidos abarque a deposição do presidente Assad ─ mas o Iraque, peça central para o plano atual dos americanos, apoia o regime sírio.

Quando os ataques americanos começaram na Síria, em dezembro do ano passado, com o temor de que o Estado Islâmico tomasse Bagdá ─ e o fato de que o governo local tinha pedido ajuda estrangeira – criou-se uma política de “Iraque em primeiro lugar”.

Até agora, foram realizados mais de 1.250 ataques da coalizão no Iraque, e muitos parceiros se juntaram não só em ações aéreas, mas no esforço para treinar e reequipar o Exército iraquiano para que ele pudesse retomar o terreno perdido para os jihadistas.

O fato de ter as forças iraquianas e curdas em terra permitiu uma orientação mais efetiva dos ataques no Iraque. De fato, em alguns lugares, eles realmente conquistaram de volta alguns territórios.

Muitos ataques aéreos certamente mataram militantes do Estado Islâmico. Segundo avaliação recente do Comando Central dos Estados Unidos, o número de mortos chega a 6 mil.

Relatos diários de algumas baixas aqui ou ali levaram um oficial superior da Marinha dos Estados Unidos, com quem conversei recentemente, a avaliar o progresso em atacar o alvo como “alguns corpos de cada vez”.

 

‘Iraque em primeiro lugar’

No entanto, particularmente, oficiais americanos estão receosos em relação às chances de retomada das cidades iraquianas de Tikrit e Mosul ─ assim como outras regiões tomadas pelo Estado Islâmico no ano passado ─, acreditando que o esforço de treinamento está acontecendo muito lentamente e que as forças do governo iraquiano estão pecando em espírito ofensivo.

A ideia do ‘Iraque em primeiro lugar’ teve como objetivo lidar com uma ameaça estratégica urgente ─ a existência do Estado Islâmico ─ e evitou o fato de que a formulação de uma estratégia coerente para a Síria parecia incrivelmente difícil.

Agora que a frente no Iraque se estabilizou, as divergências da coalizão sobre a Síria foram reveladas. Apagar essa fronteira entre os Estados é, afinal, uma parte importante da ideologia e das operações jihadistas.

À primeira vista, o fato de que mais de 1 mil ataques da coalizão foram possíveis na Síria sugere um nível semelhante de efeito como no Iraque.

No entanto, muitos desses ataques foram na área de Kobane ─ a cidade-chave curda na fronteira com a Turquia ─ onde, efetivamente, os aliados não têm uma força terrestre para ajudá-los. Tem sido muito mais difícil em outros lugares.

É também evidente que tais missões de países fora da coalizão liderada pelos Estados Unidos “secaram”.

Até o momento, esses países ─ todos árabes ─ são responsáveis por cerca de 7% de todas as ofensivas contra o Estado Islâmico na Síria.

 

Mas apenas oito dos 81 ataques deste tipo ocorreram no mês passado. Assim, de forma eficaz, tendo iniciado com entusiasmo em setembro passado, o elemento árabe desta coligação praticamente desapareceu.

O medo de ter parte de seu efetivo capturado pelo Estado Islâmico pode ter tido um papel primordial nisso.

Os Emirados Árabes Unidos interromperam o bombardeio porque os Estados Unidos não moveram sua força de resgate do Kuwait para uma base no norte do Iraque, mais próximo do território controlado pelo grupo extremista.

Isso reduziria o tempo de resposta caso outro caça do país fosse abatido, mas parece que as sensibilidades políticas americanas sobre colocar ‘tropas terrestres’ na base no norte do Iraque teriam se sobreposto à decisão correta do ponto de vista militar.

Turquia

Uma imensa maioria dos problemas enfrentados por aqueles à frente dessa campanha ─ desde resgatar pilotos abatidos ou realizar incursões com forças especiais, até reduzir o número de combatentes estrangeiros juntando-se ao EI ou apoiar a oposição síria ─ seria pelo menos atenuada se a Turquia cooperasse mais efetivamente.

No outono passado, o governo turco anunciou que daria essa ajuda ─ ao apoiar os Estados Unidos em estabelecer uma grande zona-tampão no norte da Síria. Esse é um passo que colocaria os aliados no caminho para confrontar o governo do presidente Bashar al-Assad em Damasco.

Mas a ideia de que a coalizão deponha o presidente Assad não é consenso entre seus membros.

Alguns militares de alta patente do Reino Unido e França acreditam que os Estados Unidos devem realmente estar fazendo o contrário – reconhecendo que o exército sírio é a força terrestre mais eficaz no país e cooperando com ele.

O Iraque, e seu aliado Irã, têm apoiado o presidente Assad, e ficariam encantados com tal desenvolvimento.

Os Estados Unidos, no entanto, não estão preparados para entrar em qualquer tipo de aliança formal com o presidente Assad, pois o acusam de ser o principal responsável pela chacina da guerra civil da Síria.

Eles também sabem que a diminuição da cooperação com os países do Golfo Árabe não é apenas por causa do piloto jordaniano queimado vivo.

Eles receberam mensagens explícitas – semelhante às da Turquia – de líderes da Arábia Saudita, Catar e Emirados Árabes Unidos, descrevendo o presidente Assad como a causa principal da situação da Síria e dizendo que sua deposição deve ser parte da solução.

Nova estratégia

Diante desse dilema, os estrategistas americanos estão pensando em algumas novas opções.

Uma deles, uma zona-tampão, iria explorar a cooperação turca, a fim de assegurar bases naquele país, bem como a inserção de forças especiais e campos de treinamento dos rebeldes no norte da Síria.

Isso não funcionará desde que a proposta turca – que previa avançar em até 145 km para dentro da Síria, tomando o controle de grandes centros, como Aleppo e Idlib – mas um acordo poderia vir a ser firmado.

“Nós temos uma ‘estratégia’ para a derrota é e uma ‘política’ para lidar com [o presidente] Assad”, um representante de alta patente da coalizão me disse, destacando a incompatibilidade entre as abordagens em diferentes lados da fronteira Iraque-Síria.

Até a Casa Branca resolver sua posição em relação ao líder sírio, será muito difícil atacar efetivamente os militantes do Estado Islâmico e destruí-los.