A palmada do papa no politicamente correto

Atualizado em 7 de fevereiro de 2015 às 11:25

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Publicado no Unisinos.

 

Ele tinha começado janeiro advertindo (em referência aos insultos satíricos contra o sentimento religioso, veja-se Charlie Hebdo) que, se alguém “diz um palavrão para a minha mãe, espere-se um soco”. Depois, voltando de Manila, o papa tinha confessado a sua tentação – nos tempos de Buenos Aires – de dar um chute “lá onde não bate o sol” em um negociador, que se apresentou com a oferta de uma doação de 400 mil dólares a ser dividida pela metade.

Na quarta-feira passada, Francisco elogiou um pai que lhe contou que, “de vez em quando, tenho que bater um pouco nos filhos, mas nunca na cara, para não humilhá-los”. Imitando o tapa, o papa abençoou quem pune, “faz o que é justo e segue em frente” (sem ofender a dignidade do filho, acrescentou).

O Pe. Mazzi aplaude, porque o pontífice “usa uma linguagem que todos nós usamos… Nunca é artificial… E fala como falariam os nossos pais”. Discordam aqueles que negam a pedagogia do tapa.

Pensava-se que, quando Francisco, no avião, havia exposto aos jornalistas a imagem do soco, se tratava de um deslize. Em vez disso, a nova linguagem parece refletir uma estratégia para sacudir a terminologia do “politicamente correto”, afastando de si qualquer suspeita de bonismo adoçado e começando a levantar interrogações incômodas.

Se a liberdade de sátira é um direito absoluto, é justo se fazer também a pergunta das reações que pode provocar em situações inflamadas? Sabe-se que uma parte da imprensa anglo-saxã rejeitou as caricaturas do Charlie Hebdo, sentindo-se igualmente livre para criticar a forma da crítica e, portanto, não publicá-las.

No plano educativo, Bergoglio também põe em questão – com palavras de pároco – a ideologia pedagógica do “proibido proibir”, com o seu corolário “palmada, nunca”.

Questão controversa, que muitas vezes produziu resultados contrastantes: os rebeldes mimados ao extremo em família, onde tudo é permitido, na maioria das vezes postos em confronto com as rígidas hierarquias sociais no mundo real, se arrastam diante das autoridades ou das supostas autoridades. O fato é que Francisco continuará produzindo surpresas.

Sem metáforas, ao contrário, é a carta por ele enviada aos superiores das congregações religiosas e aos presidentes das Conferências Episcopais, que exorta todos a uma maior energia contra os abusos sexuais.

Palavras secas: “Absolutamente não há lugar no ministério para aqueles que abusam dos menores… Não poderá, portanto, ser dada prioridade a outro tipo de considerações, de qualquer natureza que sejam, como, por exemplo, o desejo de evitar o escândalo”.

A indicação é clara: que o clérigo culpado “seja excluído (do) ministério público, se tal ministério é de perigo para os menores ou de escândalo para a comunidade”.

O documento papal tem duas repercussões específicas para a Itália. Ele compromete a Conferência Episcopal Italiana (CEI) – que até agora se recusou a assumir responsabilidades nacionais – a um dever de vigilância e de controle direto sobre como são abordados (ou não) os abusos nas dioceses. E ilumina, consequentemente, a singular inércia da CEI e do Vicariato de Roma em um caso clamoroso de pedofilia.

Desde junho de 2008, arrasta-se a história do padre Ruggero Conti, titular de uma paróquia em uma diocese suburbicária de Roma, condenado, em primeira instância, em maio de 2013, por vários abusos a 14 anos e dois meses de prisão.

Conti espera, no próximo dia 12 de março, a audiência no Supremo Tribunal italiano, mas, enquanto isso, já desencadeou a vergonha da prescrição por três casos. Por mais de seis anos, nenhuma autoridade eclesiástica – nem a CEI nem o Vicariato de Roma (diocese do papa), nem o bispo Gino Reali, superior direto do padre Conti para a diocese suburbicária de Porto-Santa Rufina – jamais comunicou quais sanções canônicas foram tomadas contra o padre abusador.

À luz da carta do papa, a CEI já está expressamente chamada pela “verificação de cumprimento” das diretrizes emitidas em 2014. Descarregar tudo sobre a Congregação para a Doutrina da Fé, segundo a práxis atual, não é mais possível.