A polêmica do “Esquenta” e a cultura da periferia

Atualizado em 14 de junho de 2013 às 12:59

Uma leitora responde ao post do Diário que estourou na internet.

Ela
Ela

O artigo de Marcos Sacramento sobre o programa de Regina Casé,  publicado no Diário, levantou um rico e exaustivo debate. Há dias ele é comentado intensamente na internet. MARIANA DIAS deixou suas impressões a respeito da chamada “cultura da periferia” na caixa de comentários. Nós as reproduzimos abaixo.

 

Passo longe de ser uma telespectadora da Globo e mais longe ainda de ser uma defensora da emissora. Como diria uma amiga, “odeio/detesto”.

Entretanto, acho que o autor do texto se esqueceu de mencionar que em todos os programas “dela” (porque, sim, eu me desconecto da internet para ver o programa “dela”) existem entrevistas, depoimentos, reflexões sobre diversos temas. Sempre sob a perspectiva das desigualdades sociais/raciais que perpassam nossa sociedade. Pessoas bem sucedidas (brancas e negras) sempre têm voz na atração, mas sem a “neutralidade” que a maioria de veículos de comunicação tenta oferecer. O argumento de que a justiça é intrínseca ao sistema meritocrático é muito fraco. Quem acredita que uma pessoa bem sucedida no Brasil não teve um caminho mais difícil se pertencer a um dos grupos historicamente prejudicados (negros, pobres, mulheres, deficientes, homossexuais)?

A ideia de uma pretensa equidade é um belo tiro no pé. Não ressaltar as diferenças e as diferentes trajetórias que são condicionadas pelas injustiças sociais e culturais do Brasil só ajuda a reforçá-las (afinal, para que criar mecanismos para melhorar o que já está bom?). A democracia racial pode ser até um bom quadro analítico para entendermos por que no nosso país não existem conflitos violentos institucionalizados entre grupos minoritários. Mas certamente mascara as verdadeiras relações sociais, que se desenvolvem por baixo dos panos. Porque eu não tenho preconceito, mas o meu vizinho…

E por falar em preconceito, o programa acerta quando levanta a bandeira do “xô, preconceito” e esse texto só me faz ter mais certeza disso. Como alguém pode criticar um programa de ser racista e conservador enquanto fala com desprezo da cultura popular brasileira? Os meninos pintam o cabelo de amarelo e fazem a dança do passinho, mas poderiam estar pintando de preto e quebrando tudo ao som do rock’n’roll. Certamente os meninos que moram em condomínio se enquadram no segundo grupo. E pode ter certeza de que isso não se dá porque um padrão cultural é melhor do que o outro. Porque, cá para nós, a gente sabe que isso não existe. O que existe é a glamourização de um em detrimento do outro. E é realmente admirável como, após ser exposta à cultura popular filtrada e legitimada pela mídia, a juventude burguesa se joga no funk.

Sobre as moças de short curto e cabelo nas pernas… aff. Seria uma conversa tão grande, né? A começar pelo machismo que exala de toda essa crítica, passando mais uma vez pela definição do que é chique (e da importância de se ser chique) e chegando ao ápice: as capas da Marie Claire e da Claudia. Gente, que absurdo!

Um programa que não apresenta moças dignas de estamparem duas publicações que promovem um padrão de beleza irreal, abusam do photoshop e da ostentação material e o melhor: dão dicas valiosas de como conquistar seu homem, amarrar seu homem, dar orgasmos para seu homem, cozinhar para seu homem, ser bonita para seu homem… Poxa, mas nem para colocar uma negra bem vestida e de cabelo esticado, digna de uma capa dessas revistas? Mas espera um pouco. Quantas mulheres negras e pobres aparecem nas capas dessas revistas? Quantas mulheres negras e pobres são apresentadas como modelos de mulheres bem sucedidas e que agarram seus homens?

Será que o problema é do programa “dela”, que não apresenta pessoas adaptadas ao padrão cultural legitimado ou a culpa é da mídia que só aceita um padrão (o da classe burguesa) como digno?

Falar de uma cultura da periferia já é uma violência, na medida em que homogeneíza um universo de comportamentos e sistemas de crenças que são ricos e diversos. Mas, ok, ainda que exista uma cultura da periferia, qual o problema de dar visibilidade a ela? Eu realmente gostaria de saber. Eu acredito que uma sociedade é mais saudável tanto quanto seus cidadãos mais estiverem expostos às diferentes realidades e entendam que essas realidades não devem ser estanques. As pessoas devem ter liberdade de transitar por onde bem entenderem, mas para que isso aconteça duas coisas são imprescindíveis: 1) a visibilidade e legitimação de todas as formas de expressão e de existência; 2) o reconhecimento das barreiras construídas socialmente e que impedem a realização completa do ser.

Ao fim e ao cabo, acho que o que “ela” quer é fazer a feijoada de domingo na frente das câmeras. Sem muitas pretensões além da diversão e da graninha no bolso.