A reação tíbia de Haddad às mortes por frio em São Paulo. Por Pedro Zambarda

Atualizado em 16 de junho de 2016 às 16:49
Os eternos excluídos
Os eternos excluídos

Próximo dos movimentos de esquerda e do próprio PT, o padre Júlio Lancellotti (67) da Pastoral da Rua é pároco na Mooca e tem um trabalho com os sem-teto no centro de São Paulo. Foi o sacerdote que denunciou a prisão ilegal do estudante pacífico Fábio Hideki Harano com provas forjadas pela PM paulista.

Lancellotti elogiou Fernando Haddad quando ele realizou a Operação Braços Abertos na região da cracolândia, no centro paulistano. Disse em entrevistas que tinha uma esperança em relação ao prefeito após suas promessas de campanha, em 2012.

Desde 10 de janeiro de 2016, o padre rompeu com Haddad. “Há decepção. As coisas não entram na sua cabeça, prefeito?”, disse.

A decisão foi tomada depois de uma reunião “dura” na prefeitura.

A indignação de Júlio Lancellotti é de alguém com um trabalho dedicado a população de rua desde 1985, há 31 anos. Foi ele quem mais divulgou as cinco mortes que se tornaram destaque na mídia na última semana, quando as madrugadas de São Paulo registraram temperaturas mínimas de pelo menos três graus.

O caso começou em 10 de junho deste ano, quando a Guarda Civil Metropolitana (GCM) da prefeitura apreendeu objetos pessoais dos sem-teto sem justificativa, tornando-se notícia. Uma moradora de rua chamada Ana Paula de Jesus Souza teve sua carroça apreendida e perdeu uma calcinha. Outros perderam colchões e pertences pessoais.

Naquele mesmo dia, João Carlos Rodrigues (55) foi encontrado morto nas imediações da estação Belém do metrô, Zona Leste. Dois dias depois, Adilson Justino morreu na calçada da Avenida Paulista. Na segunda-feira, 14 de junho, Naílson Paulo Batista (52) passou mal às 14hrs e só recebeu assistência médica às 18hrs, quando estava morto.

Lancelotti divulgou em seu Facebook mais duas mortes: de um homem e uma mulher, sem identificação, que foram encontrados em Santana e nos arredores do Terminal Rodoviário do Tietê, ambos na zona norte de São Paulo.

As denúncias do padre colocaram o prefeito na mira de críticas da esquerda e da direita que viralizaram nas redes sociais. A pré-candidata pelo PSOL, Luíza Erundina, questionou se Haddad sabia que o comandante da GCM, o inspetor Gilson Menezes, declarou que agentes são autorizados a tirar colchões e barracas para “evitar que o espaço público seja privatizado”.

Coisa que a mesma guarda não fez contra os manifestantes que acamparam diante da FIESP para pedir o impeachment de Dilma Rousseff.

Figura histórica que passou pelo PT, Erundina chegou a dizer que a gestão de Fernando Haddad é “medíocre”.

A posição oficial da Guarda Civil Metropolitana, endossada por Haddad, é evitar a formação de favelas ou de moradias que obstruam as ruas públicas. Edredons, lençóis e mantas contra o frio deveriam estar garantidos às pessoas sem-teto. A retirada de outros objetos deveria acontecer apenas na parte do dia.

Questionada pelo DCM, a assessoria de comunicação do prefeito afirma que ele pediu a abertura de um processo disciplinar para investigar abusos cometidos pela GCM, além das mortes registradas nos últimos dias.

A prefeitura diz que oferece 11.517 vagas de acolhimento em 79 centros e 13 abrigos emergenciais. Para a administração, foram acolhidas cerca de 11 mil pessoas nos últimos dias graças a ação de agentes para retirar moradores da situação de rua. A Operação Baixas Temperaturas, iniciada em 16 de maio, alcançou 250 mil acolhimentos de pessoas sem-teto.

O prefeito visitou pessoalmente em 14 de junho um dos abrigos emergenciais na rua Cajuru, na região do Belém, que conta com 100 vagas.

Moradores de rua, no entanto, disseram a uma reportagem da VICE que se recusam a irem aos abrigos porque são roubados nesses locais.

No meio dessa situação, o governo do estado de São Paulo anunciou no Facebook a entrega de itens de urgência para os sem-teto. A determinação da Defesa Civil teria partido do próprio governador Geraldo Alckmin.

Poucos meses antes das eleições municipais, Alckmin e o PSDB não perdem uma oportunidade para lançar a candidatura de João Doria como a oposição antipetista ideal.

O que muitos críticos de Haddad esquecem é dos deslizes de seus antecessores. José Serra em 2005 construiu rampas antimendigo na passagem subterrânea que leva à Doutor Arnaldo, numa das extremidades da Avenida Paulista. Ali estavam moradores de rua que foram expulsos. Hoje o local foi restaurado com grafites e ciclovias.

Em 2012, o secretário de Segurança Urbana de Gilberto Kassab, Edsom Ortega, chegou a cogitar a proibição do sopão para os sem-teto. A atitude provocou manifestações que fizeram a prefeitura voltar atrás.

Fernando Haddad merece críticas por atitudes irregulares da GCM, além da situação de abandono dos abrigos voltados para moradores de rua. As observações do padre Júlio Lancellotti contra o “higienismo” fazem sentido.

Mas não se deve esquecer o oportunismo ideológico e eleitoral neste episodio. Gente que nunca se importou com os excluídos de São Paulo e jamais se manifestou contra as mortes de negros pela polícia de Alckmin aproveitou a chance para malhar Haddad. O que menos interessava a essas pessoas eram os mortos.

O inegável é que Haddad falhou na resposta à crise provocada pelo episódio. Sua reação foi tíbia, tardia e inconvincente. Abriu as portas para as pancadas — tanto as cínicas de quem o abomina por ser do PT quanto as honestas de ativistas como o padre Lsncelloti.