A relação mais suspeita de Gilmar não é com Barata e sim com a mídia, que finge não conhecê-lo. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 31 de agosto de 2017 às 11:00
Gilmar e Merval: nenhum pedido de suspeição

Ninguém precisa ser especialista em assuntos jurídicos para notar o absurdo de Gilmar Mendes julgar Jacob Barata Filho, de cuja filha o ministro do STF é padrinho de casamento.

Gilmar virou o homem mais odiado do país. Há controvérsias sobre o merecimento disso, mas o assunto é outro.

Gilmar sempre fez o que quis e a mídia é cúmplice. Nunca ninguém reclamou. Virou heroi nacional quando impediu Lula de assumir a Casa Civil de Dilma. Agora que suas decisões podem beneficiar o ex-presidente, a conversa mudou.

Como os jornalistas e seus donos, que convivem com o pacote de GM há décadas, podem cobrar alguma discrição ou decoro da parte dele? Com que moral?

Como Merval Pereira, que aparece em fotos orgulhosas com Gilmar no lançamento de seu livro sobre o Mensalão, pode cobrar isenção do chegado?

No ano passado, o advogado e professor de ética Clóvis de Barros Filho foi obrigado a indenizar o ministro do STF por narrar num livro uma suposta conversa com William Bonner.

Escreveu Clóvis: “Fui a uma reunião de pauta do Jornal Nacional, e o William Bonner liga para o Gilmar Mendes, no celular, e pergunta. ‘Vai decidir alguma coisa de importante hoje? Mando ou não mando o repórter?’. ‘Depende. Se você mandar o repórter, eu decido alguma coisa importante.’”

Tudo invenção do Clóvis.

O fato é que não precisamos do escritor, já que o próprio personagem dá conta do recado.

Em entrevista a Josias de Souza publicada na quarta, dia 31, Gilmar explicita sua simbiose com a imprensa, deixando claro que é de casa. Deu, inclusive, lições de como conduzir o trabalho.

Para Gilmar, o pedido de suspeição dele se baseia “num falso escândalo. “Sei lá por que Jacob Barata mandou flores em 2015 para Guiomar e para mim!”, diz. “Janot é mais um legado do petismo”.

“Se fosse adotado esse critério [da encomenda de flores], ninguém poderia julgar ninguém. Você sabe como é a relação em Brasília. Nós convivemos com políticos 24 horas, com a imprensa inclusive. Não poderíamos julgar ninguém.”

Mais:

“Espero que amanhã você nunca necessite de um habeas corpus. Mas acha que ia me dar por impedido apenas por conhecer você. Nunca, porque não sou amigo íntimo seu.”

“A jornalista Eliane Cantanhede me perguntou uma vez: ‘Por que seus habeas corpus são só para rico?’ Eu disse: damos habeas corpus para ricos e pobres. Mas quem gosta de rico é a imprensa, porque de pobre ninguém fala. Eu estou muito tranquilo em relação a isso.”

“A mim não vão inibir coisa nenhuma. Você acha que vou deixar de adotar as minhas posições? Também não vão inibir a Segunda Turma, que tem liberado as pessoas. Mas toda vez que você toma uma posição dessas aparece alguma coisa. No dia em que íamos deliberar sobre José Dirceu, eles ofereceram uma nova denúncia contra ele. Esse tipo de prática é autoritária. E vocês têm responsabilidade. A imprensa incentivou.

“Ele [o juiz Bretas] mandou prender o Jacob porque tinha uma ordem anterior em relação a evasão de divisas. Disse que ele carregava mais de 10 mil euros. E, por isso, estava evadindo divisas. Isso, você sabe, os jornalistas ricos da Folha certamente viajam com mais de 10 mil euros.

— Não conheço jornalistas ricos assim.

Pois é, mas eu conheço”.