A resposta constrangedora do dono da Globo a um artigo no Guardian sobre o impeachment. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 23 de abril de 2016 às 17:31

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Paulo Francis dizia que quem escreve cartas para jornais é doido. Francis provavelmente abriria uma exceção para João Roberto Marinho, que de doido não tem nada.

Eventualmente, de desesperado. Ou de alguém que não aprecia muito ser contrariado.

O dono da Globo é autor de uma resposta a um artigo de David Miranda no Guardian chamado “A razão real por que os inimigos de Dilma Rousseff querem seu impeachment”.

No subtítulo: “Corrupção é só um pretexto para os ricos e poderosos que falharam em derrotá-la nas eleições”.

Miranda lembra que “a maioria dos grandes grupos de mídia atuais – que aparentam ser respeitáveis para quem é de fora – apoiaram o golpe militar de 1964 que trouxe duas décadas de uma ditadura de direita e enriqueceu ainda mais as oligarquias do país. Esse evento histórico chave ainda joga uma sombra sobre a identidade e política do país. Essas corporações – lideradas pelos múltiplos braços midiáticos das Organizações Globo – anunciaram o golpe como um ataque nobre à corrupção de um governo progressista democraticamente eleito. Soa familiar?”

Continua: “Por um ano, esses mesmos grupos midiáticos têm vendido uma narrativa atraente: uma população insatisfeita, impulsionada pela fúria contra um governo corrupto, se organiza e demanda a derrubada da primeira presidente mulher do Brasil, Dilma Rousseff, e do Partido dos Trabalhadores (PT). O mundo viu inúmeras imagens de grandes multidões protestando nas ruas, uma visão sempre inspiradora.

Mas o que muitos fora do Brasil não viram foi que a mídia plutocrática do país gastou meses incitando esses protestos (enquanto pretendia apenas ‘cobri-los’). Os manifestantes não representavam nem de longe a população do Brasil. Ao contrário, eles eram desproporcionalmente brancos e ricos: as mesmas pessoas que se opuseram ao PT e seus programas de combate à pobreza por duas décadas.”

JRM não gostou do que leu e escreveu, ou mandou escrever, um texto publicado pelos editores do Guardian na seção de comentários.

O contraste com as palavras de Miranda não fica apenas na simplificação para inglês ver do papel da emissora no processo — “com o Grupo Globo repousa a responsabilidade de relatar os fatos como eles aconteceram”, diz ele —, mas num erro de fundamento que explicita a farsa jurídica.

Marinho confirma Miranda.

“Tudo começou com uma investigação (chamada Operação Lava Jato), que por sua vez revelou o maior esquema de suborno e corrupção na história do país, envolvendo os principais membros do Partido dos Trabalhadores (PT), assim como líderes de outras partidos da coalizão do governo, funcionários públicos e magnatas dos negócios.

Muitas dessas figuras foram encarceradas, algumas foram condenadas. todo o processo de investigação foi conduzido de acordo com as regras do direito do Brasil, sob a estrita supervisão de Suprema Corte”.

Ok. Mas o impeachment não é baseado na Lava Jato e sim nas inefáveis pedaladas fiscais. Ou mudou tudo? Melhor deixar as pedaladas pra lá?

“O Grupo Globo não apoiou o impeachment em editoriais”, prossegue. Dois exemplos dessa falácia: “O impeachment é uma saída institucional da crise” e “Tempo no impeachment corre contra o país”.

Por fim, uma demonstração de humildade. “A imprensa brasileira é uma paisagem vasta e plural de várias organizações independentes, 784 jornais diários impressos, 4 626 estações de rádio, 5 redes nacionais de transmissão de televisão, 216 canais a cabo pagos e outra infinidade de sites de notícias”.

Um comentarista rebateu, em inglês: “É sofisma especioso, especialmente no que concerne à pluralidade da mídia. Dos 221 canais de televisão mencionadas, a Globo detém 122 deles. Em 1995, eles tentaram censurar o filme ‘Muito Além do Cidadão Kane’”.

O golpe está consumado, mas a tentativa de legitimá-lo a todo custo está levando seus agentes a malabarismos lógicos patéticos que passam, desde já, para a história.