A saudade da ditadura é óbvia num país que nunca puniu torturadores ou estabeleceu um limite civilizatório. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 21 de setembro de 2017 às 16:51
Mourão e Villas Boas

O filósofo e professor da USP Vladimir Safatle foi uma das personalidades entrevistadas no programa que o DCM fazia com produção da TVT.

Safatle falou da nova configuração da sociedade brasileira no pós-golpe. O Brasil precisa encarar, dizia ele, que “não é um país”.

“Somos completamente divididos”, afirmou.

Num trecho, ele comentou sobre Jair Bolsonaro e a turma que pede intervenção militar.

“O Brasil encarou de uma vez por todas que não é um país. É completamente dividido. Nunca foi um país”, pontuou.

“Nós nem sequer conseguimos constituir uma narrativa unificada sobre a ditadura militar. Nós não conseguimos estabelecer que isso é uma linha vermelha e jamais ocorrerá”.

“Tanto é que temos aí Jair Bolsonaro. Campeão de votos entre os mais ricos, acima de cinco salários mínimos”, declarou. “Ou seja, quem salva o Brasil são as pessoas mais pobres. Se dependesse das pessoas acima de 5 salários mínimos, a gente já teria sido transformado numa aberração mundial”.

A repercussão do discurso do general Antônio Hamilton Mourão é uma prova eloquente disso. Mourão pregou abertamente um golpe numa loja maçônica num vídeo que viralizou. 

Segundo Villas Boas, comandante do Exército, ele é um líder respeitado, “um grande soldado, uma figura fantástica, gauchão”. Não será punido. Nada vai lhe acontecer. Ninguém leva a sério nossa democracia. Por que deveria?

No nosso pacto, na nossa vocação conciliatória, na Anistia, as Forças Armadas não foram forçadas a reconhecer os crimes no período entre 1964 e 1985.

Ao contrário da Argentina, por exemplo, ninguém pagou pelas torturas, mortes e ocultações de cadáveres. O Uruguai está julgando agora seus “estupradores fardados”. Nós os festejamos.

Os apologistas fazem o que querem. Bolsonaro chama Ustra de “herói”. Seviciadores sobem em carros de som na avenida ao lado de senhoras carregando cartazes nos quais se lê “por que não mataram todos em 64?”. 

O Brasil mal discutiu o assunto. Como diz Safatle, não estabelecemos uma linha, um limite civilizatório. Passados esses anos, a sombra e a mistificação são muito mais intensas que a luz.

Temos agora um governo fraco e corrupto, fruto de um golpe vagabundo, uma mídia mono obsessiva que alimentou colunistas de extrema direita, uma economia que patina, a “ameaça lulista”–, e a soldadesca cheia de apetite para, mais uma vez, salvar a pátria. Se não eles mesmos, através de seu messias Jair Bolsonaro.