A sociedade ficará mais segura se todo policial for obrigado a usar uma câmera

Atualizado em 9 de abril de 2015 às 17:10

 

Você é negro, mora nos Estados Unidos (se preferir pode ambientar no Brasil também, o risco é o mesmo), tem 50 anos, já viu portanto muita coisa na vida, sabe das ingratidões do mundo, tem alguns problemas com a justiça por conta de pensões não pagas à ex-mulher e há um mandado contra você por conta disso. Numa blitz, está com a lanterna do carro quebrada (uma coisa à toa mas que pode lhe trazer consequências piores graças ao cenário acima).

Em uma breve discussão com a “autoridade” você pondera e acredita que seja melhor correr e largar o carro ali mesmo pois já viu muita coisa na vida e o risco de ir em cana é iminente, afinal o que pode ser pior que uma prisão nos EUA? Resposta: discutir com um policial branco quando se é negro.

Walter Scott fez tudo isso e, como negro exemplar, tomou oito tiros pelas costas. Desarmado, morto, caído com o rosto enterrado no solo, ainda assim Scott teve as mãos algemadas para trás. Um “teje preso” grotesco.

O policial Michael Slager, autor dos disparos, faz parte da polícia de North Charleston, Carolina do Sul, e pertence portanto a um quadro corporativo formado por 80% de brancos. Praticamente metade da população local é negra.

Slager foi demitido, detido ontem e provavelmente será indiciado mas tudo isso só ocorreu após a divulgação de um vídeo (ah, esses rebeldes civis que andam com celular hoje em dia…). Até então, Slager havia utilizado o recurso tão surrado, pretensamente malandro e familiar aos brasileiros de argumentar que a vítima havia resistido e tentado arrancar a arma de sua mão.

É mais um capítulo na lista recente e crescente de negros mortos por policiais brancos nos Estados Unidos. Antônio Martin em Berkeley, Michael Brown em Ferguson, Tamir Rice em Cleveland (um menino de 12 que brincava com uma arma de plástico), Eric Garner em Nova York, são casos ainda frescos na memória e que têm suscitado indignação e revolta.

Possuir a maior população carcerária do mundo, abraçar estados que praticam a pena de morte, em nada parece trazer algum vislumbre de progresso humanizado aos Estados Unidos. O Brasil caminha na mesma direção.

O menino Eduardo de Jesus assassinado na semana passada com um tiro de fuzil na cabeça, o adolescente Douglas Rodrigues que eternizou o “por que o senhor atirou em mim?”, o garoto Rodrigo Candido Cerqueira no Capão Redondo, o jovem Alan de Souza (que filmou a própria morte com seu celular), Claudia que foi barbaramente arrastada pelas ruas, são casos recentes na memória, que têm causado revolta, gerado protestos mas estranhamente não se tem notícia de que a Globo tenha alterado o horário de algum jogo de futebol antecipadamente por conta deles de modo a dar uma forcinha.

O inegável é que há uma reiterada perseguição aos negros e pobres tanto aqui como nos quintais do Tio Sam. Não se pode depreender de outra forma ao ouvir a declaração insensível do governador Pezão de “não vamos recuar”, logo após a morte do menino.

Se Eduardo fosse branco e da classe média ou alta, Pezão diria isso assim em tom de afronta? Em demonstração nítida de que o projeto foi por água abaixo por não estar acompanhado de nenhuma outra medida “pacificadora” na sociedade e em seus agentes públicos, os próximos passos já são visíveis e lastimáveis. As UPPs serão reforçadas e blindadas, saem os policiais “treinados” para a pacificação e entra o BOPE, o gueto permanece acuado.

Mas uma grande massa branca e bem alimentada sairá às ruas no domingo pedir “Fora Dilma”. Resolve mesmo.