A tragédia brasileira de Cláudia, alvejada por uma “bala perdida” e arrastada pela polícia

Atualizado em 19 de novembro de 2014 às 14:28

claudia da silva ferreira

 

A morte da auxiliar de serviços Cláudia da Silva Ferreira é daquelas histórias em que a realidade supera qualquer esforço para se imaginar o horror. É também uma tragédia terrivelmente brasileira que, absurdamente, ainda faz parte do nosso cotidiano.

Cláudia foi surpreendida no meio de um tiroteio no morro da Congonha, no Rio, quando ia à padaria. Segundo seu marido, o vigia Alexandre da Silva, ela saiu para comprar 3 reais de pão e 3 de mortadela.

Atingiram-na no pescoço e nas costas. Quem fez os disparos? De acordo com moradores, os policiais que subiam a favela. Já a PM informou que ela foi encontrada baleada.

Dois subtenentes e um soldado, então, a colocaram no porta-malas de uma viatura. A caminho do hospital, o porta-malas abriu e o corpo de Cláudia foi arrastado por ao menos 250 metros.

A cena, postada num vídeo pelo jornal Extra, é dantesca. Foi capturada por um cinegrafista amador. Presa por um pedaço de roupa, ela desliza pelo asfalto, inerte. Os policiais só a colocam de volta no camburão quando param num farol.

Teria sido “socorrida” com vida. Ao chegar ao hospital, estava morta. Seu caixão estava lacrado no velório. Os três PMs prestaram depoimento e foram detidos. Emitiu-se um pedido de desculpas oficial: “Lamentamos muito a forma como a senhora Cláudia foi socorrida, é uma forma que nós não toleramos. A corporação não compactua com isso.” Houve um protesto de moradores.

Cláudia era mais uma cidadã invisível. Até agora, não houve uma mísera manifestação de apoio à família por parte de Dilma, do prefeito Eduardo Paes, do governador Sérgio Cabral. O que eles fizeram por ela? Nada.

Para além da desumanidade e da incompetência dessas operações, é o caso de se perguntar por que a PM fluminense ainda tem permissão para socorrer feridos em suas ações. Em São Paulo, a Secretaria de Segurança Pública proibiu policiais militares de prestarem socorro. Foi uma maneira de combater as fraudes em que o sujeito morria ao “dar entrada” no hospital. Um dos resultados dessa medida foi que a PM paulista matou, até julho de 2013, 41% menos do que no mesmo período do ano anterior.

“Ela não deixava a gente ficar na rua com medo de acontecer alguma coisa ou de confundirem a gente com traficantes”, contou um de seus filhos (ela tinha quatro). Alexandre diz que Cláudia foi “tratada como um bicho”. Para a polícia, para os governos, é tudo a mesma coisa: sacos de lixo pendendo de pára-choques.