A ultrapolarização do debate está muito chata – estamos vivendo os anos 70 de novo, só que com Facebook

Atualizado em 16 de junho de 2014 às 1:20

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Um dia teremos que olhar para trás, estudar a fundo esse momento histórico e entender essa polarização que tomou conta do debate no país. Ou será que sempre fomos burros, simplistas e maniqueístas desse jeito e a diferença é apenas a clareza com que isso ecoa agora nas redes sociais? Lula, PT e Dilma de um lado, como se pudessem ainda ser apontados como defensores dos pardos e pobres, e como se ainda estivessem à frente de um projeto de esquerda para o país. De outro, as elites, o conservadorismo aristocrático, o chamado 1%, que acaba de ganhar um novo rótulo letal: branco, paulistano e com 900 reais no bolso para gastar. Essa equação reducionista contaminou tudo. Grande imprensa vs sites jornalísticos independentes. Manifestantes vs Coxinhas. Black Blocs vs PMs. Esquerda Miami/Caviar vs Reaças. Vai Ter Copa vs Não Vai ter Copa. Amo futebol vs Odeio Futebol. Joaquim Barbosa vs Genoíno. Vaiar ou não vaiar. E gente se xingando barbaramente de lado a lado.

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Gaúcho, mais pardo do que branco

Lamento informar, mas eu não caibo nisso. Sou mais pardo do que branco, nasci gaúcho, pobre e de esquerda, e virei paulistano e liberal porque vi o mundo, e de classe média porque batalhei e quis que fosse assim. Não sou rico mas não considero a pobreza uma virtude. Acho que governos tem uma importância óbvia nos caminhos de uma nação, mas acredito muito mais na autodeterminação e na capacidade individual para mudar as coisas ao redor e melhorar de vida. E, de novo, não tenho em quem votar em outubro. Tenho uma certeza no bolso (repare no duplo sentido): o Brasil parou, está à deriva há mais de dois anos. E acho que tem muitas outras coisas que não cabem nessa arapuca ideológica. Tipo Maluf de mãozinha dada, subindo no palanque. Tipo busca e apreensão do material de dissidentes no Rio. Isso é óbvio ou sou só eu?

Em relação ao raciocínio acima, Paulo Nogueira, editor desse Diário do Centro do Mundo, respondeu o seguinte:

“A gente vive hoje, essencialmente, o que vivemos em 1954 e 1964. Não é exatamente novo. A direita – gosto da expressão 1% – tenta desestabilizar administrações ‘populares’. Getúlio Vargas foi levado ao suicídio, Jango deposto. A arma é sempre a mesma: a mídia usa o discurso da ‘corrupção’ – e algo que sempre comoveu a classe média. (Era o ‘Mar de Lama’ na época de Getúlio e Jango sendo acusado de ter ficado riquíssimo, o que se comprovou mentira.)

“Não é contra o PT – é contra qualquer administração que ponha em cheque imensos privilégios e mamatas. (As grandes empresas de mídia gozam, ainda hoje, de reserva de mercado no Brasil.) É preciso ver a floresta para entender a ‘árvore’ que nos assombra hoje. É a velha direita querendo tomar conta do Estado de novo. Como escreveu Shakespeare, the rest is silence.”

É uma bela tese.

ÁGORA DIGITAL

As redes sociais viraram uma ágora digital. Nunca houve uma experiência mais comunista do que a internet. A revolução digital é de longe o movimento que mais deu, de fato, “power to the people”. A única revolução, na história humana, que honrou seus princípios de divisão de poder e de distribuição de privilégios entre todos. Aqui você vale o que produz e você tira daqui só o que precisa. Na maior parte dos casos, não há moeda circulante. Você não recebe nada para estar aqui e não precisa pagar nada para estar aqui. Modos de produção democratizados, todos bem vindos, com voz e vez e voto, direitos iguais garantidos, barreiras de entrada inexistentes ou muito baixas. E o seu capital acumulado e os seus pedigrees, elementos aristocráticos, são tornados irrelevantes aqui. A invenção mais ousada do capitalismo se tornou a experiência mais bem sucedida jamais levada a cabo de uma comuna, de um kibutz, de uma comunidade hippie.

VOCÊ SE CONSTRANGE AO CANTAR O HINO NACIONAL?

Nos anos 70, a gente tinha vergonha de cantar o Hino e de torcer pelo Brasil porque parecia que estávamos ratificando a ditadura. Foi na Copa de 82 que percebemos que cantar o Hino, curtir a bandeira nacional, as cores do Brasil e a Seleção era uma demonstração de amor ao país, à nação, uma celebração de nós mesmos, e não significava loas ao regime ou ao governo da vez. O reencontro que aconteceu sob a égide daquela seleção mágica nos trouxe de volta essa clareza sobre as coisas. Então era possível gostar de futebol e torcer pela Canarinho e ainda assim sair às ruas pela volta das eleições diretas para presidente, e continuar achando prefeitos e governadores biônicos uma excrescência. De algum modo, voltamos a viver um momento em que expressar o amor à pátria faz com que qualquer um de nós pareça um cretino, um imbecil. Ou, nas acepções novovelhas, coxinhas e reaças.

LUZES SOBRE A PÍFIA FESTA DE ABERTURA

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As cerimônias de abertura de 2006, na Alemanha, e de 2010, na África do Sul, se parecem muito entre si. Muita saliva digital foi gasta com isso. Assumimos que a tibieza era obra brasileira, como fazemos sempre. Só que a direção artística do espetáculo é da Fifa. O comitê organizador local, para variar, só paga a conta – que, aliás, ficou em 18 milhões de reais. Portanto, o que vimos é o padrão Fifa, e de Daphne Cornez, a coreógrafa belga que assinou o evento de estreia da Copa do Mundo no Brasil. Se fôssemos com o carnavalesco Paulo Barros, certamente teríamos dado ao mundo o que o mundo esperava de uma “opening ceremony” no Brasil. Mas havia uma Fifa no meio do caminho. Essa torta realmente não é nossa para enfiarmos em nossa própria cara.

PODEMOS MANDAR TNC?

Como escrevi anteriormente, acho que vaiar governantes é um direito, senão uma obrigação cívica, dos cidadãos em ambientes democráticos.

Gostaria de saber se podemos apupar, de modo deliberadamente indelicado, a tropa de vereadores em São Paulo que travou a votação do plano diretor da cidade (um detalhe desimportante, como se vê) porque não receberam o número de ingressos de cortesia que gostariam para a partida de abertura da Copa.

Também gostaria de saber, aqui desta distinta plateia, que, em nome de pedir respeito, com tanto respeito tem me tratado no espaço para comentários, se poderíamos nos perder um minuto de nossa elegância habitual e mandar um recado mais visceral ao pessoal de empresas estatais, com Banco do Brasil e Caixa Federal, que gastaram 9 milhões com ingressos para seus convidados “VIP”.

O FUTURO DA COPA DO MUNDO E DA FIFA

A Slate traz uma excelente reflexão sobre o modelo de produção dos megaeventos globais como a Copa e as Olimpíadas. As relações que se estabelecem entre a FIFA e o COI e os países estão estão equivocadas desde o rabisco. E por isso são insustentáveis. Estão cheias de ineficiências, do pontos obscuros, de relações de força desiguais. Mesmo considerando que países com Japão e Inglaterra estejam sentados à mesa, esses megaeventos são puro açúcar. No caso brasileiro, diabéticos que somos, os efeitos ficam ainda mais deletérios.

E a The Economist traz uma edição especial em que escrutina a Copa, a Fifa e o mundo do futebol. O artigo principal dá o tom da investigação: “O jogo é lindo, os negócios são horrendos – Futebol é um grande esporte. Mas ele poderia ser muito melhor se fosse gerido honestamente”. Ou seja: a CBF pode ser uma das coisas mais deploráveis do mundo da bola, mas está longe de ser a única. Negócios escusos impregnam o futebol mundo afora. Você pode baixar o PDF do especial aqui.

O QUE QUEREM OS GRINGOS?

A imprensa estrangeira está encantada e espantada com o Brasil e com as nossas contradições. Somos uma esfinge diante da qual não é simples se posicionar.

Um ponto que tem interessado sobremodo aos gringos é ver, afinal, como torcem os brasileiros quando o assunto é futebol. O New York Times fez uma ótima matéria mostrando reações dos brasileiros ao primeiro gol da Seleção.
E o The Telegraph também fez ótimo vídeo mostrando o barulho em São Paulo ao longo da primeira partida do Brasil na Copa. (E olha que, a rigor, a gente ainda nem começou a brincar!)

DROGBA E A POESIA DO FUTEBOL

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Não há esporte como o futebol. Drogba, 36 anos, entrou contra o Japão e, em 5 minutos, a Costa do Marfim saiu da letargia e virou o jogo. Drogba quase não tocou na bola. Ele usou de um olhar, um passe, uma palavra. Usou da simples presença do craque, do cara que chama a responsabilidade, que gera uma referência em campo e injeta confiança no time. Uma lição de liderança. Futebol é pura poesia. Um imenso espelho da vida, fidedigno. E também uma aula de como pensam, agem e reagem seres humanos confinados numa arena.

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