Abuso sem limite: Juiz que confiscou passaporte de Lula disse na decisão que, se quisesse, mandava prendê-lo. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 26 de janeiro de 2018 às 14:04

Um juiz substituto conseguiu impedir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de viajar para um evento co-patrocinado pela ONU na África.

Ao tomar a decisão, o magistrado conseguiu mais: se tornou unanimidade. Nenhuma voz respeitável do direito se levantou para defendê-lo.

Do conservadores como Ives Gandra Martins aos mais liberais, todos consideraram o despacho do juiz Ricardo Leite um erro jurídico.

“Uma aberração”, definiu o criminalista Anderson Bezerra Lopes.

“Em primeiro lugar, porque a medida cautelar se baseia em outro processo, o do TRF-4, que não está sob sua jurisdição”, disse.

“Em segundo lugar, porque o juiz, para fundamentar sua decisão, cita supostas declarações de aliados do ex-presidente — ‘E do conhecimento público a divulgação de declarações em que aliados políticos do ex-Presidente, visando à politização de processos judiciais, cogitam a solicitação (se necessário) de asilo político em seu favor para países simpatizantes’”.

Anderson Bezerra Lopes prossegue: “Ora, se ainda vigora uma Constituição no Brasil, ninguém pode responder por conduta alheia. O ex-presidente responde pela própria conduta, não de supostos aliados, e não há nenhum indício de que pretenda obstruir ou se furtar à aplicação da lei.”

“Por fim, numa confusão técnica muito grande, o juiz confunde pressupostos com requisitos para a medida cautelar e diz que a apreensão do passaporte é necessária para instrução criminal. Ora, no processo sob a jurisdição dele, só falta o depoimento do ex-presidente, marcado para o dia 20 de fevereiro. A instrução, portanto, já está encerrada, uma vez que o depoimento é um instrumento de defesa, não de produção de provas. A decisão não tem sustentação jurídica e reforça a percepção de que Lula sofre uma perseguição no âmbito do poder judiciário”, afirmou.

Um trecho do despacho de Ricardo Leite se tornou, particularmente, estranho. Ele diz que Lula violou os dois pressupostos que autorizam sua prisão preventiva — assegurar a aplicação da lei e garantir a instrução criminal. Se ele entende assim, é de se perguntar: por que não a decretou?

Não decretou porque não teve coragem. Mas foi ousado o suficiente para dizer algo como: se eu quisesse, eu mandava prender.

O dano causado pela decisão é irreversível, embora seus advogados possam e devam entrar com recurso. Lula não fará a viagem. O episódio, por isso, chama a atenção para a necessidade das cortes superiores serem mobilizadas para garantir a liberdade de ir e vir do ex-presidente — um habeas corpus.

O ex-presidente que terminou o mandato com a maior popularidade na história do Brasil está hoje à mercê de qualquer juiz.

Para aparecer, a qualquer hora, um aventureiro de toga poderá tentar colocá-lo atrás das grandes, como querem os jornalistas que apareceram na rede social como xerifes do País, sob a liderança de Germano de Oliveira, aquele que disse, reportagem no jornal O Globo, que Lula passaria o Reveillon de 2014 no triplex do Guarujá.

Lula não passou o Reveillon nem noite nenhuma, mas, com a reportagem, alimentou-se a farsa de que o imóvel da OAS pertenceria a Lula.

Era fake news, mas acabou em uma das 238 páginas da sentença de Sergio Moro.

Era mentira, mas quem se importa?

Ajudou na caçada a Lula, e agora juízes e procuradores tentam tirar uma casquinha.