Anitta é muito mais que a mulher do ano. Por Nathalí Macedo

Atualizado em 1 de dezembro de 2017 às 14:47
Ela

A mulher do ano é Anitta. Mas ela é mais do que isso.

Se em 2012 alguém me dissesse que uma cantora de funk tocaria em algumas das questões mais importantes da contemporaneidade sem parar de rebolar a raba, eu e meus preconceitos provavelmente riríamos de desdém.

Mas, diria Karnal, o mundo não é linear.

Larissa, menina periférica que sonhava em dançar como a Beyoncé – e que menina periférica não sonhava em dançar como a Beyoncé? – agora é Anitta, cantora internacionalmente respeitada que cumpre uma turnê apertada com a ajuda singela de uma equipe completa e um jatinho.

Tá ruim?

O caminho natural de uma minoria que ascende socialmente seria, pela lógica (alô, Paulo Freire), ocupar o lugar do opressor. Anitta poderia estar explorando sua equipe, sendo antipática com seus fãs e indiferente às questões sociais à sua volta.

Poderia ainda estar surfando na onda dos funks pseudopolíticos para alcançar mais ouvintes e seguidores, mas ela sabe – todo mundo sabe – que não precisa disso.

Prefere fazer revolução apenas sendo ela mesma: enquanto uma militância eufórica discute sobre a cor da sua pele e sobre o que ela deveria ou não fazer com seu cabelo, ela paira sobre toda conjectura e apenas faz o que deve ser feito: o seu trabalho.

Nas horas vagas, é claro, dá umas respostas ácidas, merecidas e assertivas nas redes sociais – sem perder o rebolado, com o perdão do trocadilho.

Quando um pastor questionou a sua sensualidade no palco, chamando-a – pasmem – de prostituta, ela respondeu com uma pequena lista de todas as suas funções, e não são poucas: “Eu sou cantora, dançarina e empresária.”

O pastor teve que se retratar, e eu tive que sorrir por viver em um mundo em que pastores evangélicos precisam se retratar.

Uma cantora pop mundialmente famosa, percebamos, foi na goela do fundamentalismo religioso e sua misoginia em menos de 200 caracteres, e sem sequer tocar as palavras fundamentalismo religioso e misoginia.

Como se não bastasse, a última da Anitta foi conseguir falar sobre política sem falar sobre política.

Diante da notícia de que Michel Temer cortara a verba destinada a educação, comentou: “É como o meu financeiro me dizer que tenho que cortar gastos e eu tirar dinheiro da divulgação das músicas em vez de maneirar no jatinho.” Gênia.

Se isso não é um espírito empreendedor, eu não sei o que é um espírito empreendedor, e realmente preciso de algum tempo para digerir o fato de que o ano é 2017 e o atual presidente da república tem muito o que aprender sobre economia com uma cantora de funk.

House of Brazil. Trilha sonora: Show das Poderosas.