Ao contrário do que diz Moro, houve, sim, uma investigação na Lava Jato envolvendo Aécio e a irmã. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 1 de abril de 2017 às 8:58
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Ao ser questionado na Universidade de Heidelberg, na Alemanha, sobre a foto em que conversa ao pé do ouvindo e sorrindo com o presidente do PSDB, Aécio Neves, o juiz Sérgio Moro disse que o interlocutor não é investigado pela Justiça Federal em Curitiba.

“Foi um evento público, e o senador não está sob investigação da Justiça Federal de Curitiba. Foi uma foto infeliz, mas não há nenhum caso envolvendo ele”, respondeu.

Ao contrário do que afirma o juiz, houve sim na Operação Lava Lato o início de uma investigação sobre um esquema de arrecadação de propina na estatal de energia Furnas que teria como beneficiário Aécio Neves.

Até o nome de quem operaria o esquema foi citado: Andrea Neves, irmã do atual presidente do PSDB, na época, entre 1996 e 2001, deputado federal (líder do partido no governo Fernando Henrique Cardoso e presidente da Câmara dos Deputados).

Num depoimento prestado na Polícia Federal, no dia 21 de outubro de 2014, na presença do advogado e de um procurador da república, o doleiro Alberto Youssef diz que o esquema de Aécio ficou com 4 milhões referentes à propina paga pela construtora Camargo Correa como contrapartida a um contrato para construção de barragem.

Trecho do depoimento:

“Que não recorda qual seria o valor total da comissão, apenas que restou uma pendência de cerca de quatro milhões de reais, a qual foi cobrada por José Janene (então deputado pelo PP e cliente do doleiro) junto à empresa Camargo Correa, tendo o declarante acompanhado na oportunidade; Que esclarece que essa visita teria ocorrido no ano de 2002, sendo o contato mantido na pessoa de João Hauler (na verdade, João Ricardo Auler, condenado por Sérgio Moro, hoje com tornozeleira eletrônica), o qual teria dito que nada havia a ser pago, alegando que alguém do PSDB teria recebido esse valor.”

Questionado sobre quem do PSDB teria ficado com o dinheiro, Alberto Youssef afirmou:

“Que diz ter tomado conhecimento, entretanto, de que quem teria influência junto à diretoria de Furnas seria o então deputado federal Aécio Neves, o qual receberia recursos por meio da irmã.”

O Ministério Público Federal quis aprofundar a investigação e tomou novo depoimento de Youssef quatro meses depois, exatamente no dia 12 de fevereiro de 2015. Na ocasião, Youssef confirmou que ouviu tanto de seu cliente na época, o deputado José Janene, quanto de um dos pagadores de propina, Airton Daré, dono da empresa Bauruense, que a irmã de Aécio recolhia parte do dinheiro desviado de Furnas – ele cita valores: entre 100 mil e 120 mil dólares por mês, o equivalente hoje a R$ 455 mil.

O juiz Sérgio Moro pode argumentar que, por ter foro privilegiado, Aécio não seria investigado em Curitiba, o que é verdade, mas Andrea, a operadora do esquema, é uma cidadã comum, tanto quanto a cunhada de João Vaccari Neto, presa na operação Triplo X, cujo alvo era o ex-presidente Lula.

Andrea nem sequer foi chamada para depor, embora, no segundo depoimento de Youssef, os procuradores tenham mostrado uma foto e perguntado se ele poderia reconhecê-la. Ele disse que fazia muito tempo e não se recordava de ter encontrado pessoalmente Andrea Neves, mas, num dos depoimentos, sugeriu um caminho para investigar o esquema do PSDB em Furnas: ouvir a diretoria administrativa da Bauruense, que cuidava dos contratos com Furnas. Isso também não foi feito.

Ao dizer que o presidente do PSDB, Aécio Neves, não está sob investigação em Curitiba e que, portanto, não haveria nada demais na cena de intimidade entre eles – infeliz é a foto, não o indício de proximidade –, Moro tenta afastar a suspeita de que é um magistrado parcial.

É uma tese difícil de se sustentar quando se analisa seu comportamento social – ele vai a evento do prefeito eleito João Dória (PSDB), faz vídeo em restaurante com o militante tucano Raimundo Fagner, um dos mais fervorosos cabos eleitorais do candidato a presidente Aécio Neves na eleição de 2014, e aplaude música que o enaltece por “prender vagabundos”.

A rede social também é generosa em indícios de parcialidade. Sua mulher, Rosângela Wolff Moro, criou a fanpage “eu Moro com ele”, em que compartilha publicações do senador Álvaro Dias, publica fotos de manifestação, com destaque para cartazes como “Tchau,Querida” e Dilma dentuça, e muitas camisas da CBF Brasil afora. Há também muitos links do site de direita Antagonista, alguns com vazamentos da mesma Vara do marido (quem será que passa para eles?).

Reprodução da conta "Eu Moro com ele" do Facebook
Reprodução da conta “Eu Moro com ele” do Facebook

 

O perfil também curte e compartilha Luana Piovani (esta tem uma foto postada na porta da sala de Moro, com as mãos juntas, como se estivesse orando), Miriam Leitão, Movimento Contra a Corrupção, IstoÉ, Época, O Globo, Marina Silva e GloboNews.

Na fanpage criada e administrada por ela, também há fotos do casal em eventos sociais, ambos em trajes de gala – uma parece num tapete vermelho. A impressão é que se trata de artistas em noite de Oscar.

Tem uma foto de difícil compreensão: sobre uma mesa, aparece a foto dela e do marido em traje de gala, e uma boneca também com um vestido de gala, com a plaquinha “vendida”. Outra, de Moro abraçando Pelé, tem uma legenda que mostra como Rosângela quer que se veja o marido: “Encontro de craques”.

A esposa postou uma camiseta com o ano de nascimento de Sérgio Moro – 1972 –, com a frase: “Nasce uma lenda.” Outra camiseta fotografada e que foi postada na fanpage de Moro tem a foto de dois procuradores – Deltan Dallagnol e Carlos Fernando dos Santos Lima – com o juiz Sérgio Morto no centro e a frase “Liga da Justiça”.

Moro também se permitiu uma foto com a camiseta “In Moro we trust”, em que cobriu com papel branco algumas letras e restou a expressão “In Ro (de Rosângela) in trust”.

A página parece um santuário. Tem foto de um braço com a tatuagem de Moro, Moro com uma criança, o pequeno Pedro, uma ilustração em que um desenho de Moro olhando para o alto, com pescoço grosso, lembra o Super Homem.

Rosângela, a administradora da fanpage, postou um desenho que parece saído de um quadrinho, com ela e o marido, este segurando o martelinho da justiça.

A página traz também muitas referências religiosas. Um dos posts diz: “Meretíssimo Moro – Os Brasileiros de bem Oram e Clamam a Deus por ti”.

Rosângela também esclarece em uma postagem que existem muitos perfis falsos de Moro no Facebook, mas somente um é dele mesmo, fechado para os amigos. O perfil tem duas imagens que o identificam, ambas de juízes britânicos em trajes do chefe da Justiça (Lord Chief Justice).

Um deles é Sir William Erle, que atuou na primeira metade do século XIX. Os biógrafos o descrevem como um juiz forte e muito convicto de suas opiniões. Tinha também um leve sotaque regional. Para ser Moro – ou como parece que Rosângela Wolff Moro o vê –, só faltava Sir William Erle falar fino.

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