Artistas do vídeo contra a censura farão um outro com seu mea culpa por apoiar o golpe? Por Mauro Donato

Atualizado em 9 de outubro de 2017 às 12:07

No vídeo de 1 minuto, ninguém diz nada. Alternam-se rostos famosos, todos em silêncio, alguns tapam os olhos, outros acenam negativamente com a cabeça.

Estão ali Caetano Veloso, Marisa Monte, Teresa Cristina, Tico Santa Cruz. Também tem Adriana Varejão, Matheus Solano, Nathalia Dill. São muitos.

A ideia do filminho nasceu em uma reunião na casa de Paula Lavigne, semana passada. Com o título ‘342artes – Contra a censura e a difamação’, os artistas protestam contra os recentes casos de censura ocorridos em exposições, peças de teatro e performances como ‘La bête’, no MAM de São Paulo.

O movimento 342 nasceu em razão da denúncia contra Michel Temer. O número se refere ao mínimo de deputados que precisariam votar pela aceitação da denúncia.  Desdobramento agora se dá no 342artes.

Alguns artistas que não participaram fizeram questão de postar vídeos individuais e complementares, com depoimentos sob a hashtag #342artes.

“Só há um tipo de cultura que realmente constrói um país: a cultura da liberdade. Nessa nossa luta de sobrevivência cultural, peço aos poucos e ainda honestos políticos que se posicionem, saiam desse silêncio acovardado”, declarou para a câmera a atriz Fernanda Montenegro.

Até aí, tudo muito bem, tudo bonito. Mas existem presenças no vídeo mudo e coletivo que chamam a atenção. São artistas que há pouco tempo estavam pedindo Fora Dilma, apoiaram o impeachment, foram para a avenida Paulista ou para Ipanema vestidos de verde e amarelo.

‘Artistas’ como Paula Burlamaqui, uma franca apoiadora de Aécio Neves (chegou a fazer campanha em vídeo). Como Cissa Guimarães (essa já defendeu a volta da monarquia logo depois da queda de Fernando Collor).

Como o ator Marcelo Serrado, que agora anda posando de incomodado por ter interpretado o papel de Sergio Moro em filme que passa o pano para a Lava Jato (ele tem declarado que não fará de novo caso haja uma continuação, mas esteve lá nas manifestações pró-impeachment, trajando camiseta com o rosto do paladino Moro estampado no peito).

Tem também Lucinha Lins e Vik Muniz, atuantes pelo impeachment em suas redes sociais.

Esses artistas não haviam ligado uma coisa a outra? Não lembraram que depois do golpe viria a censura? Não perceberam que aqueles tais VemPraRua ou MBL tinham um aroma de fascismo perigoso?

Como artistas, desconheciam que em 1968 um tal Comando de Caça aos Comunistas invadiu o teatro de Zé Celso durante uma apresentação da peça Roda Viva, depredou o cenário e espancou artistas e espectadores? Qualquer semelhança com o que o MBL vem fazendo hoje em dia não é mera coincidência.

Hoje todos estão preocupados e alguns devem estar querendo reparar o erro. Espera-se que não seja tarde demais quando vemos deputados como João Rodrigues (PSD-SC) declarar: “Bando de safados, bando de vagabundos, bando de traidores da moral da família brasileira. Tem que ir pra porrada com esses canalhas!” (a propósito, o referido deputado já foi flagrado admirando vídeos e fotos de pornografia em plenário).

Ou ainda Laerte Bessa (PR-DF): “Se aquele vagabundo fosse fazer aquela exposição lá em Goiás, ele ia levar uma ‘taca’ que ele nunca mais ia querer ser artista. Direitos humanos é um porrete de pau de guatambu que a gente usou durante muitos anos em delegacia de polícia”, disse o deputado brucutu.

A iniciativa dos artistas encabeçados por Paula Lavigne é boa, mas espera-se que os artistas que andam participando desses vídeos e de manifestações contra cortes em cultura não fiquem na miúda, tentando limpar a própria imagem mudos, como se nada tivessem feito.

Nós vimos o que fizeram no verão passado. Que tal seguir o conselho dado por Fernanda Montenegro e ‘saiam desse silêncio acovardado’? Que tal gravar um vídeo fazendo um mea culpa? Ter jogado o país nesse período de obscurantismo não foi pouca coisa. Dá rec/play aí, vocês são bons nisso.