As mulheres traiçoeiras do novo livro de Murakami. Por Luísa Gadelha

Atualizado em 13 de fevereiro de 2016 às 18:52
Homens solitários, isolados, vulneráveis: o universo de Murakami
Homens solitários, isolados, vulneráveis: o universo de Murakami

O escritor japonês Haruki Murakami é conhecido por seus romances que versam sobre solidão, com um quê de sobrenatural ou fantástico, sempre com inúmeras referências à música ocidental (há playlists no Spotify só para as canções citadas por Murakami), à literatura e à cultura pop em geral – por isso mesmo, alguns dizem que ele não é um “autêntico escritor nipônico”, talvez por explorar mais o universo ocidental do que o próprio cotidiano japonês. Também tem sido cotado nos últimos anos para o prêmio Nobel, mas, mais uma vez, dizem as más línguas que não ganha porque é popular demais.

Homens sem mulheres é uma antologia de sete contos novos – escritos de 2013 a 2015 – de Murakami que foi lançada em português no final do ano passado. O título de cara já remete a outro livro de contos, de mesmo título, de Hemingway. Todas as histórias têm algo em comum: homens solitários, isolados, vulneráveis, que de alguma maneira sofreram a perda de uma mulher.

A traição feminina está presente em quase todas as histórias, algumas vezes de forma consentida. No conto que abre a coletânea, Drive my car (referência a uma música dos Beatles), um ator viúvo aproxima-se do amante da falecida esposa para tentar compreendê-la melhor. Em Yesterday (Beatles, mais uma vez), dois amigos dividem encontros com a mesma mulher. Kino, após descobrir ser traído pela esposa com um colega de trabalho, relaciona-se com uma misteriosa mulher coberta de cicatrizes de queimaduras de cigarros.

No conto Órgão independente, o protagonista, um médico, chega a dizer que as mulheres possuem um órgão especial, feito apenas para mentir. Apesar do machismo aparente na afirmação, as mulheres descritas por Murakami nessas histórias não são submissas. Pelo contrário, são fortes, decididas, algumas até frias e grosseiras – como a rude motorista de Drive my car -, mas, também, perdidas e solitárias em tantas relações repletas de mal-entendidos.

A surpresa da coletânea são os contos Sherazade e Samsa apaixonado. No primeiro, numa clara referência às Mil e uma noites, Sherazade é o codinome que o protagonista dá à sua amante, uma mulher casada, que sempre lhe conta histórias em suas visitas. Sexo e conversa estão intrisecamente relacionados – costurados, como diz o protagonista – nessa narrativa. Em Samsa apaixonado, temos uma inversão da Metamorfose de Kafka: o inseto Gregor Samsa acorda transformado em humano. À parte as dificuldades de se adaptar a um corpo novo e desajeitado, e à linguagem humana, descritos de maneira divertida, Gregor Samsa se apaixona por uma moça corcunda: a curvatura das suas costas lhe parece um movimento suave e sinuoso.

Como na maior parte dos livros de Murakami, nessas curtas narrativas nem sempre os mistérios são completamente resolvidos ou explicados. Sempre resta algo no ar, uma sombra de dúvida, sobre o que realmente aconteceu. Também há a aparição de um misterioso gato em Kino – dizem que os gatos estão presentes em todas as obras de Murakami. Por fim, as referências, além das já mencionadas, a escritores, cineastas e grupos musicais, como Tchekhov, Beach Boys, Temptations, Woody Allen e Truffaut, só para citar alguns.

Para finalizar, o conto Homens sem mulheres, que encerra a coletânea, traz um narrador cujas três ex-namoradas se suicidaram. Inconformado, sem encontrar explicações, ele divaga sobre os homens solitários, que vivem à margem, a quem falta algo após ter se relacionado com uma mulher.

“De uma forma ou de outra, você também vai ser um dos homens sem mulheres. De repente. E, uma vez que você se tornar um dos homens sem mulheres, a cor da solidão se impregnará no seu corpo. Como se fosse uma mancha de vinho tinto em um tapete de clor clara. (…) A mancha pode clarear um pouco com o tempo, mas permanecerá lá até o seu último suspiro.”