“Atuar é meu inferno particular”: Philip Seymour Hoffman, a intensidade e a heroína

Atualizado em 27 de outubro de 2014 às 13:23

 

A notícia da morte de Philip Seymour Hoffman é um choque terrível para seus milhões de fãs em todo o mundo e para mim, pessoalmente. A imagem dele deitado sem vida no chão de seu banheiro, com uma agulha em seu braço e uma quantidade de heroína ao lado, num apartamento em Manhattan, é triste e inimaginável.

Eu tive o privilégio de conhecê-lo e sair com ele em várias ocasiões ao longo dos últimos anos, incluindo uma noite pesada de drinques no Festival de Berlim. Eu sabia que ele gostava de álcool. Mesmo assim, não era um bebedor violento, mas alguém capaz de desfrutar de uma conversa amigável, por mais intoxicado que estivesse.

Era muito inteligente e realista. Tinha uma sensibilidade irônica aguçada, fora do padrão de seus companheiros da indústria cinematográfica. Você podia sentar-se com ele por horas e falar sobre tudo, exceto cinema, e ele nunca se comportaria como o que era — um dos melhores atores do mundo.

Tudo indica que seus amigos mais próximos estavam cientes de seus problemas com heroína. Um comentarista da CNN mencionou uma internação num rehab no ano passado.

Deixou uma obra incrível. Desempenhou papeis inesquecíveis em “Magnolia”, “O Talentoso Mr. Ripley”, “Quase Famosos” (no qual fez o grande crítico musical Lester Bangs, também morto de overdose de remédios), “Capote” (pelo qual ganhou o Oscar de Melhor Ator) e os mais recentes “O Mestre” e  “O Quarteto”. Acabou de participar de “Jogos Vorazes – A Esperança”.

Definitivamente, não era o típico porra louca hollywoodiano, como Charlie Sheen ou Colin Farrell. Haverá muita especulação sobre sua dependência. Já vi muitos amigos – especialmente nas artes – destruídos pelas drogas. É trágico este homem morrer desta forma.

Hoffman era completamente dedicado ao trabalho e passava por enorme estresse psicológico na preparação para seus personagens. Pode ter escolhido a heroína para lidar com esse tipo de estresse e com as pressões que sentia.

A heroína está se tornando popular novamente em Hollywood, mas nada levaria a crer que alguém como Hoffman caísse nisso. Por que ele?

O que posso dizer é que era um intérprete terrivelmente intenso — e talvez haja algumas pistas aí. Havia um cotê de artista torturado em sua formação. Não que ele cortasse as orelhas em desespero, mas ele sofria com seu perfeccionismo. Isso, em ultima análise, também era a razão de sua grandeza.

Dava a sensação de que o sucesso significava pouco. Numa das últimas entrevistas que fiz com ele, me falou que cada personagem o devastava. “Você entra numa forma estranha de psicanálise. Eu sinto a necessidade de lutar e me questionar o tempo todo para realizar um bom trabalho” contou.

Perguntei-lhe como descreveria seu ofício.

“É meu inferno particular. Em todo filme, há noites em que acordo às 2 da manhã e penso que sou uma farsa… Mas eu encontro uma maneira de sair dessa neurose e fazer o que tenho de fazer. Faz parte da minha natureza agonizar para alcançar o nível em que eu realmente me sinta realmente feliz com o resultado. Quando estou em casa, eu apenas tento agonizar menos”. Lembro da gargalhada depois dessa frase.

Hoffman tinha 46 anos e deixa sua namorada de longa data Mimi O’Donnell e seus três filhos: Cooper, 10, Talullah, 7, e Willa, 5.