Carta aberta a Claudia Cruz. Por Paulo Nogueira

Atualizado em 27 de julho de 2016 às 11:41
Fim de festa
Fim de festa

Cara Claudia:

Não nos iludamos. Você pecou. Você prevaricou.

E ainda assim encontro algumas atenuantes. Você foi formada por duas das piores escolas de caráter que o Brasil jamais produziu.

Uma é seu marido, uma das maiores vocações de roubalheira da história política nacional. A outra é a Globo, onde você trabalhou no início de sua carreira.

Talvez sua alma tivesse resistido a uma dessas influências malignas. Mas às duas era virtualmente impossível. Você teria que ser a Madre Teresa de Calcutá.

Você acabou vítima de algo que um grande economista do passado chamou de consumo conspícuo. Thortein Veblen, norueguês radicado nos Estados Unidos, era o nome dele. Veblen notou o seguinte no comportamento dos ricaços: para eles, não basta ter dinheiro. Era preciso mostrar isso. Por exemplo: em festas milionárias que as madames novaiorquinas ofereciam no aniversário de seus cachorrinhos.

Conspícuo é notável. Consumo notável, portanto.

Veblen explica você, Claudia. Aquelas fotos no Facebook com roupas chiques e sorrisos extravagantes em várias partes do mundo. Você estava dizendo ao mundo, ali: “Eu posso!”

E no entanto você não podia, Claudia. Não, ao menos, pelos meios convencionais. O salário de um deputado não permite tamanho fausto. Você sabia disso, claro.

Para levar a vida que você tinha, alguns complementos eram imprescindíveis. Foi descoberto um depósito de 591 mil reais em sua conta. Quem depositou esta bolada em sua conta foi a Libra, uma empresa de logística beneficiada pelo seu marido num arranjo relativo ao Porto de Santos.

Seu marido não estava sozinho nessa. Também Michel Temer ajudou a Libra. Como disse alguém numa conversa gravada, Temer é Cunha. Cunha é Temer. E ambos são a Libra.

Você postou numa rede social, pouco antes da queda de seu marido, uma declaração de amor a ele. “Amo este homem”, algo assim, numa foto dos dois.

Me pergunto o que a fascinou nele. O carisma, a beleza, a bondade, o charme, a inteligência, a cultura, a integridade, o cosmopolitismo? Não. Eduardo Cunha não tem nenhum desses atributos. Ele não é nenhum príncipe encantado, definitivamente.

Só pode ter sido o oposto de tudo aquilo. A canalhice visceral. A ausência completa de escrúpulos em roubar, enganar e mentir.

Nisto ele é mesmo imbatível. Seu marido conseguiu negar que tinha conta na Suíça mesmo depois que as autoridades suíças entregaram às brasileiras documentos acima de qualquer dúvida.

Era como se ele estivesse dizendo aos brasileiros, indignado: “Vocês vão acreditar nos suíços ou em mim?”

Em que momento o monstro moral que é seu marido se revelou a você? Desde o primeiro encontro? Ele deu um jeito de sair do restaurante no qual jantaram à luz de velas sem pagar a conta, e isso deu a ele ares de heroi para você?

Tantas perguntas, tantas perguntas.

Não acredito que você vai ser presa, no entanto. Este é um país que prende com extrema facilidade José Dirceu, mas não pessoas como você. Mas o resto de sua vida não vai ser tão paradisíaco como os anos anteriores à descoberta, pelos brasileiros, de quem era Eduardo Cunha.

Os fundos infinitos para o consumo conspícuo sumirão. Os bajuladores sempre à espreita dos que têm poder e dinheiro também.

E no entanto você terá uma oportunidade única em sua vida: a de aprender que o dinheiro e as coisas materiais não são a única coisa que importa. Você poderá se tornar uma pessoa melhor. Não é pouco. A segunda parte de sua existência talvez dê algum sentido à primeira.

Não acho que o mesmo possa ocorrer com seu marido. Porque ele é um caso perdido.

Sinceramente.

Paulo