Caso Lula mostra que falta muito para o Brasil ser uma democracia na prática, diz historiadora francesa. Por Willy Delvalle

Atualizado em 30 de janeiro de 2018 às 20:39
Juliette Dumont

Uma sociedade de Antigo Regime que conheceu um projeto democrático e agora experimenta uma Justiça de exceção em meio ao julgamento do ex-presidente Lula.

Esse é o retrato do Brasil segundo Juliette Dumont, historiadora francesa e professora do Instituto de Altos Estudos da América Latina (IHEAL), em Paris.

Para ela, que viveu no Rio de Janeiro e pesquisa sobre a imagem do Brasil no exterior, a projeção nacional sofreu um baque desde o golpe de 2016, ano em que se juntou ao Movimento Democrático 18 de Março (data de nascimento do grupo) para combater o impeachment e melhor informar a mídia francesa sobre o que acontecia na política brasileira.

Nesta entrevista para o Diário do Centro do Mundo, ela fala sobre perspectivas, eleições, o a sociedade brasileira frente ao mundo.

Em entrevista à RFI, você afirmou que a condenação à Lula é uma “afronta ao Estado de Direito no Brasil” e que faltaram provas de corrupção contra o petista. Os juízes e a grande mídia, portanto, mentiram ao negar que o julgamento foi político, afirmando que os argumentos foram técnicos?

Eu acho realmente que é realmente uma manipulação e uma hipocrisia muito grande do Poder Judiciário e da mídia porque esse julgamento é muito problemático. Primeiro porque faltam provas materiais da culpa do Lula. O processo inteiro foi bem particular. Esse julgamento em segunda instância chegou muito rápido num período em que normalmente os juízes estão de férias.

Então há uma exceção em jogo para julgar Lula. Isso mostra de maneira geral, e não só no caso do processo do Lula, o fato de o Brasil estar conhecendo uma Justiça de exceção. Por isso falei que é uma afronta ao Estado de Direito. É uma das manifestações, a maior, das derivadas do Poder Judiciário nos últimos dois anos. Essa narrativa da mídia dizendo que é um sucesso para o combate à corrupção é uma maneira de esconder o fato de que esse judiciário está sendo muito politizado.

Mas os desembargadores disseram que o Conselho Nacional de Justiça estabeleceu como prioridade o combate à corrupção, daí a razão para o aceleramento desse julgamento, o que os levou a trabalhar em fins de semana e feriados.

Pois é… Se o combate à corrupção é uma prioridade, vamos voltar um pouco ao passado. Sou historiadora. Por que Eduardo Cunha não foi julgado mais rapidamente? Por que se esperou tanto tempo, apesar das provas muito fortes que havia contra ele? O que estou dizendo é que tem dois pesos e duas medidas. Por isso se pode falar de uma politização e de uma teatralização.

O fato de esse julgamento ter sido transmitido ao vivo por cinco canais de televisão, o fato também de uma das televisões, a Band , ter divulgado o resultado antes mesmo que os juízes tivessem terminado sua fala, o fato de o presidente do tribunal ter dito dias antes do julgamento que ele estava a favor da condenação, a sua chefe de gabinete ter divulgado uma petição no Facebook chamando para a condenação do Lula. Tudo isso mostra um judiciário, pra fazer um eufemismo, bastante fora dos padrões de um julgamento normal.

A justiça se politizou ou sempre foi politizada?

Eu não sou historiadora do sistema judiciário brasileiro. Eu acho que ele se politizou bastante nos últimos anos. Mas o que se revela nesses últimos anos é que as instituições democráticas, e não só o Judiciário, nascidas na Constituição de 1988, não foram suficientemente consolidadas. Por exemplo, o fato de a Comissão Nacional da Verdade, aberta pela presidente Dilma Rousseff, em 2011, ter se reunido só em 2011 mostra que está sendo muito difícil desde a redemocratização apurar o que ocorreu na Ditadura Militar. Não tenho elementos para dizer que há uma politização de muito tempo no Judiciário do Brasil, mas, sim, uma fraqueza das instituições democráticas brasileiras e do Judiciário pra cumprir com as metas democráticas e do Estado de Direito no Brasil, seguindo o texto da Constituição de 1988.

Estamos falando de uma pessoa muito conhecida, ex-presidente, mas no dia a dia do Judiciário, do funcionamento também da Polícia Militar, o que se vê é uma perseguição muito forte a sindicalistas, a pessoas pobres e realmente uma justiça de dois pesos e duas medidas em função das pessoas julgadas.

Por que diversos políticos de direita, inclusive Michel Temer, disseram que era melhor que Lula perdesse nas urnas?

Porque nessas últimas semanas o que se vê é que se pensava que a justiça estava fazendo seu trabalho, que o Sergio Moro realmente era um combatente à corrupção. Estão percebendo que esse combate à corrupção escondia outras coisas. E objetivos políticos. Então, parte da opinião começa a se distanciar dessa narrativa. Já que o Michel Temer e outros políticos que manifestaram essa opinião têm uma adesão muito fraca nas pesquisas de opinião, só podem dizer isso.

Senão, eles aparecem como perseguidores do Lula e do PT. Como o Lula continua sendo a pessoa como mais adesão nas pesquisas de intenção de voto para as próximas eleições, seria contraprodutivo aparecer como se estivesse fazendo uma caça às bruxas a ele. Então, o distanciamento desses políticos e do Michel Temer para com o julgamento me parece uma tática.

Você acredita que houve um pacto entre os juízes da Operação Lava Jato e a mídia, como diz o ex-presidente?

Eu não sei se há um pacto. Pacto é um termo muito forte que implica uma retórica do complô que eu não gosto. Um pacto, não. Mas interesses comuns, acho que sim. Interesses comuns em promover uma política neoliberal. Está-se vendo nesses últimos quase dois anos que está se desfazendo as políticas sociais implementadas pelo Lula e pela Dilma Rousseff; Reforma Trabalhista, Reforma da Previdência, corte nos gastos com a educação, com a saúde, privatização de empresas públicas, tudo isso favorece os interesses de uma minoria econômica, política… E se sabe muito bem que a grande mídia brasileira pertence a poucos, que também têm interesses econômicos. Mais do que um pacto é a conjugação de interesses convergentes.

A cobertura midiática do julgamento apresentava os votos do julgamento como um placar. Nas ruas, havia uma mobilização polarizada em torno do julgamento. O que você pensa sobre esse contexto?

O que se vê desde o início do impeachment da Dilma Rousseff é uma polarização muito forte da sociedade brasileira. Eu, que conheço o Brasil há quase trinta anos, acho que nunca vi o país tão dividido, uma violência do debate política muito forte, e isso é muito assustador. Porque se liberam palavras. A palavra na política é muito importante. E o que se vê é que as pessoas já não prestam atenção ao peso das palavras e à violência das palavras. Isso é muito prejudicial para o debate público, para a democracia e leva as pessoas a se desfazer dos partidos tradicionais, que estão em crise, como em todas as democracias representativas no mundo ocidental.

E a voltar-se pra movimentos ditos alternativos. Eu penso, por exemplo, nos evangélicos. Ou a movimentos extremistas, como mostram as pesquisas de intenção de voto em relação ao Jair Bolsonaro. Porque, como na Europa, como nos Estados Unidos, há um desencantamento para com os partidos tradicionais e a política em geral e isso é muito prejudicial à democracia e uma democracia, que eu repito, não é suficientemente consolidada no Brasil. Também porque não há uma cultura política muito forte. Os partidos políticos, fora o PT, até acessar o governo, não têm uma coluna vertebral partidária muito forte. O debate não somente se polariza, mas se empobrece.

O Brasil é uma democracia?

(Silêncio por alguns segundos) Boa pergunta. (Mais silêncio por alguns instantes). O Brasil conheceu um projeto democrático. Há muitos democratas convictos no Brasil, mas falta muito para que o Brasil seja não só uma democracia formal, mas uma democracia na prática. E isso tem a ver com a história, a herança da ditadura, que não foi resolvida. E estamos num contexto mundial de enfraquecimento das democracias, de crise da democracia representativa tradicional. Então essa conjuntura da história particular do Brasil com esse contexto mundial faz com que o que hoje esteja em xeque no processo do Lula, mas não somente em relação a ele, é saber se realmente há uma sociedade e um regime democrático no Brasil.

Por que surgiu essa polarização?

Tem raízes históricas e causas do contexto atual. Quando surgiram esses movimentos pedindo o impeachment da Dilma Rousseff, mas também movimentos muito reacionários, como o Escola Sem Partido, ou os ataques que sofreu a Judith Butler quando foi a São Paulo, isso tudo tem origens na história dos 50 últimos anos do Brasil. Estamos vendo ressurgir vozes, ideologias que, na verdade, nunca desapareceram totalmente, mas que, com a redemocratização e com a boa saúde econômica do Brasil no início do século XXI, se faziam menos presentes.

O fato de o Lula e a Dilma em seu primeiro mandato terem conseguido governar revela que, no momento, se conseguiu, graças à saúde econômica também, fazer a chamada “tradição de conciliação no Brasil”. Eu lembro muito bem quando o Lula foi eleito, ele foi para o Fórum Social de Porto Alegre e foi para Davos. Foram dois polos da sua política. Ele conseguiu beneficiar as camadas mais pobres do Brasil, mas também as mais ricas. Os que se sentiram fora do jogo foram partes da classe média. Porém, como a situação econômica estava bem, não tinham como reclamar. A partir do momento em que houve a crise econômica, o governo do PT não podia continuar dando tanto a uns e a outros. E começaram também a aparecer todas as falhas desse governo de coalizão que existe desde a redemocratização e as contradições de uma coalizão que reúne duas entidades que normalmente não se deveria reunir.

Um governo do PT com o PMDB é um absurdo! Então, essa polarização é o resultado de uma crise econômica, do fato de o Brasil ser um país desigual, um país onde o ódio de classe ainda é muito grande, de um sistema político que está demonstrando os seus limites e a conjunção de tudo isso leva a uma polarização muito forte. Até para as pessoas que não votaram para o Lula e para a Dilma, nessa primeira década dos anos 2000, o governo do PT levou certas esperanças e certas expectativas. E, com a crise, essas expectativas não podem ter uma resposta positiva. E isso leva muita frustração, o Brasil cresceu muito rápido e a queda é ainda mais dolorosa.

É isso que explica, em parte da sociedade brasileira, tanto ódio em relação ao ex-presidente Lula?

Sim. Eu acho realmente que, pode parecer uma linguagem muito do século XIX, ou do auge do comunismo, mas se há um país onde ainda se pode falar de luta de classes – e olha que eu não sou marxista – é o Brasil. O que eu observo muito, e não sou a única, é que muitas pessoas, notadamente da classe média, não suportaram ver a ascensão das classes populares. A sociedade brasileira, em muitos aspectos, parece uma sociedade de Antigo Regime, baseada em privilégios. E o fato de as classes populares ganharem direitos ia contra os privilégios de outros. Eu acho que, enquanto a sociedade brasileira não assumir isso, não haverá solução. Enquanto não houver um projeto político que coloque isso em jogo de maneira muito clara, não haverá resolução. Pode haver períodos onde essa polarização se amenize, mas sempre em contexto de crise, seja política ou econômica, essas polarizações ressurgirão.

Por que ninguém criticou a condenação de Eduardo Cunha e o contrário ocorre com Lula?

Porque, para o Cunha, havia provas (risos). Agora há um julgamento fundado em sua maioria na delação do Léo Pinheiro e na íntima convicção do juiz Sergio Moro. Não são argumentos juridicamente pertinentes. Não sou especialista do Direito, não sou jurista, mas há vários juristas no Brasil e também no exterior que mostraram que esse processo contra o Lula sai totalmente do devido processo regular.

Pessoas da direita que são presas não mais representam prejuízo ou, de certa forma, não alterarão o jogo político da direita. É isso?

Sim. No estado do Rio de Janeiro, eu não me lembro do nome das pessoas, foram condenados por um esquema de corrupção sobre os transportes e os deputados da Câmara do Rio de Janeiro decidiram liberá-los. Por quê? Porque os próprios deputados temiam que essas três pessoas pudessem fazer revelações que os comprometessem.

É o caso de Sérgio Cabral e Cunha?

Sim. Não se podia mais negar sua culpabilidade. Mais uma vez: se esperou muito tempo para se prender o Cunha. E as provas estavam aí. Então, seria flagrante demais não prender o Cunha enquanto todo mundo sabia que havia provas para prendê-lo. Então é uma maneira de legitimar a ação do Judiciário.

Quais são as consequências da condenação do Lula para a imagem do Brasil no mundo?

(Suspiro) Eu vou responder só do ponto de vista da França. A imagem do Brasil já sofreu muito desde os últimos dois anos. Não se entende o que está acontecendo no Brasil. Ou há um silêncio alucinante na grande mídia francesa, não se fala do Brasil, não interessa mais o que está acontecendo no Brasil; ou então tem essa narrativa, ouvida por exemplo na FranceInter, dizendo “essa sentença é o triunfo da democracia e da luta contra a corrupção”, sem maior investigação crítica. O único artigo que tenta entender o que está acontecendo foi publicado no Le Figaro , que é um jornal de direita, então não pode ser suspeito de estar a favor do Lula, ou de estar defendendo o Lula.

E esse artigo mostra muito bem essa justiça de exceção, sem defender o Lula. E também não é meu papel defender o Lula. Eu quero deixar muito claro que eu não sou militante do PT. Eu não acho que seja bom que a única esperança da esquerda no Brasil seja o Lula. O que realmente me chama a atenção, e também para outros pesquisadores aqui na França, é o ataque ao Estado de Direito. E isso não se percebe muito bem na França. E isso porque a mídia deixou de se interessar pelo Brasil. E isso é muito revelador dessa imagem muito enfraquecida do Brasil no cenário internacional.

Esse processo teria começado com o golpe?

Sim. Pra mim, faz parte de uma tendência, de uma dinâmica que existe desde o golpe, de uma vontade de reverter as políticas que, tanto o Lula como Dilma Rousseff, fizeram no Brasil, sobretudo as políticas sociais. É totalmente alucinante um governo não eleito, como é o governo do Michel Temer, fazer uma política… Ele não está cumprindo um papel de interino entre a destituição e as eleições. Ele está cumprindo um programa político. E um programa político que não passou pelas urnas. E o fato de ter esse processo judiciário ter como objetivo de impedir o Lula de ser candidato está na mesma dinâmica. Não sei se se pensou nesse processo desde o impeachment, mas é a mesma dinâmica.

O confisco do passaporte do Lula, impedindo-o de viajar à Etiópia, faz parte dessa dinâmica, desse ataque?

Claramente. São mais de cinco processos em curso contra o Lula. Vai ser muito difícil pra ele escapar disso. Eu penso que é preciso distinguir duas coisas: o fato de denunciar essas derivas do sistema judiciário e esses ataques contra o Estado de Direito numa perspectiva totalmente partidária e o fato de realmente lutar contra a corrupção. Eu não estou dizendo que não houve corrupção no seio do PT e que Lula seja um santo. O que é preciso destacar é a utilização do Poder Judiciário numa perspectiva partidária.

Do meu ponto de vista, há uma vontade muito clara de, de um lado, impedir que Lula seja candidato, e, de outro lado, limitar suas possibilidades de se expressar. O que fica evidente no manifesto “Eleição sem Lula é fraude”, assinado por 200 mil pessoas, no Brasil, mas também por muitas personalidades estrangeiras, é que Lula tem uma popularidade no Brasil e no exterior. E que essa popularidade no exterior incomoda aqueles que decidiram condená-lo. Então, o fato de impedi-lo de viajar é claramente uma maneira de reduzir a possibilidade, para ele, de se defender também fora das fronteiras do Brasil.

Por que não há outro líder popular de esquerda no Brasil?

Eu acho que tem duas causas. Uma, mais uma vez não é só no Brasil, é mais global, no Ocidente, é o enfraquecimento das esquerdas, que se pode observar tanto na América Latina, como na Europa. As esquerdas não conseguem propor um projeto político e um projeto de governo e propor lideranças que atraiam uma maior quantidade de eleitores. A segunda questão é o papel do Lula. O Lula impediu que emergissem outras lideranças na esquerda. É sempre perigoso para um movimento ter um homem providencial, porque isso não permite a emergência de outras lideranças.

Você acredita que ele foi autoritário?

Eu não entraria nisso. Mas de maneiras autoritárias ou não, ele não permitiu essa emergência. Continuando a ocupar todo o cenário. Eu não sou especialista do funcionamento do PT, conscientemente ou não, ele impediu a emergência de outras lideranças. Eu insisto na combinação dos dois fatores. Temos também uma esquerda no Brasil, como em outros países, que é muito dividida. Vimos aqui na França nas eleições presidenciais, havia muitos candidatos de esquerda. E o resultado foi que a esquerda não foi para o segundo turno. O fato de Jean-Luc Mélenchon e Benoît Hamon não conseguirem falar-se mostra isso. No Brasil, se vê isso também e esse líder muito popular que é o Lula, que não deixou muito espaço para outras pessoas.

Às proximidades do julgamento, os partidos de esquerda começaram a dialogar com mais intensidade entre si. Foi tarde demais?

Antes tarde do que nunca. No Brasil, como em outros lugares, se viu de maneira muito nítida agora nas eleições no Chile. Houve um diálogo das esquerdas, mas um diálogo muito tardio, que não permitiu impedir que o Piñera vencesse.

Políticos de direita reagiram com ânimo e houve até a Festa da Condenação. Na sua visão, quais são as perspectivas para o cenário político-eleitoral depois desse julgamento?

Temos uma direita tradicional, que por enquanto não tem seu candidato. Tem esse candidato de extrema direita, Bolsonaro. Uma esquerda que sem Lula está muito fraca. Também por isso é que Michel Temer evoca a possibilidade de um semi parlamentarismo. A argumentação de Temer é de dar mais força para o Parlamento, citando a França como exemplo. Eu acho que é uma maneira de não pensar em profundidade uma reforma séria do sistema político brasileiro.

A senhora acredita que existe algum risco de não haver eleições este ano?

Eu acho que o risco existe sim.

Por quê?

Por causa justamente desse cenário muito instável. Por causa da polarização da opinião pública. E de haver um discurso dizendo: “não há condições de ter eleições esse ano”. Já faz alguns meses que há frases e discursos evocando a possibilidade de que não haja eleições. Eu acho que a situação das próximas semanas vai pesar nisso.

Inclusive com a intervenção militar?

Eis a grande questão. Até setembro, os militares não tinham se manifestado na disputa política. Com a fala do general Mourão, teve um momento que se pensou que os militares estavam a ponto de fazer uma intervenção. E se fez um paralelo com os militares em 1964. De setembro até hoje, os militares não se manifestaram mais. Não sei se isso quer dizer que não vão se manifestar ou que vão se manifestar de novo.

Existem paralelos entre 1964 e o que o Brasil está vivendo agora?

Existem paralelos. Por exemplo, o fato da luta contra a corrupção ser considerada como o lema principal do debate político; também o fato de ressurgir um discurso anticomunista, anti esquerdista muito forte; o papel da classe média foi muito forte em 1964. Para o historiador, é sempre importante ver quais são as semelhanças, mas também as características inéditas da situação. E o mundo de 1964 não é o mundo de 2018. Os paralelos podem nos ajudar a pensar a situação, mas não concluir uma semelhança total.

Os nomes “fora” da política têm mais chances agora?

Sim. Candidatos que surgem de outras esferas? Eu acho que sim. Tem essa possibilidade. Na Itália, depois da Operação Mãos Limpas, surgiu o “outsider” Berlusconi, que ganhou as eleições. Existe a possibilidade de “outsiders” se aproveitarem da desconfiança da opinião pública em relação aos partidos políticos tradicionais.

Você teria mais alguma consideração a fazer?

Como pessoa que conhece o Brasil, que viveu lá, acho uma grande tristeza porque o país representou, no início dos anos 2000, uma esperança para os brasileiros e também fora do Brasil. Eu teria muitas críticas a fazer à política do Lula e da Dilma Rousseff, mas o que não se pode negar é que o Lula, um pouco menos a Dilma, voltaram a conjugar o verbo “esperançar”. E tinham um projeto para o conjunto da sociedade brasileira. Hoje, o que me chama a atenção é a ausência de projetos políticos para toda a sociedade brasileira.