Pelé deveria abraçar a luta contra o racismo no futebol. O problema é o Edson

Atualizado em 24 de outubro de 2014 às 15:54
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Pelé nunca foi bom fora de campo e é duro discordar de Romário quando diz que o rei, calado, é um poeta. Pelé poderia — deveria — abraçar uma causa importante. Por que não a luta pelo fim do racismo no futebol?

Na última rodada do campeonato espanhol, o zagueiro Paulão, do Betis, foi expulso quando o time perdia para o Sevilla. Animais de sua torcida passaram então a seu rito sagrado: imitaram macacos em sua homenagem. Paulão foi flagrado chorando no banco de reservas (o que é um pouco demais).

Antes dele, Yaya Touré, do Manchester City, ouviu o mesmo tipo de provocação dos torcedores do CSKA de Moscou. Não são fatos isolados. A Fifa tenta fazer “campanhas de conscientização”. Eventualmente, multa o time ou diminui o número de ingressos da equipe cujos torcedores pratiquem discriminação. Dura um domingo.

Ninguém que aprecie futebol pode ser a favor de que xingamentos sejam banidos. Ficaria insuportável. Mas fazer gestos emulando símios e atirar bananas no gramado estão em outro patamar de incivilidade. Vão para o terreno da patologia, da imbecilidade e da violência em seu sentido mais puro, primitivo, boçal.

O racismo existe no futebol desde sempre, de maneira mais ou menos explícita. Me lembro de uma visita aos bastidores do Chelsea, na Inglaterra. No vestiário, camisetas marcavam os armários de cada atleta. Todos os africanos estavam juntos num canto. Os brancos, no outro.

A Espanha é um caso à parte. Daniel Alves, do Barcelona, vem falando no preconceito há algum tempo. Após uma partida contra o Real Madrid em que foi ofendido pela enésima vez, protestou veementemente. “O racismo no futebol é uma batalha perdida até que medidas drásticas sejam tomadas”, disse. Num país cujos fãs de F-1 pintaram o rosto de preto para sacanear o piloto Lewis Hamilton, Alves foi ridicularizado pela imprensa especializada.

A voz mais ativa contra a discriminação é a de Paul Elliott, o primeiro capitão negro do Chelsea (nos anos 90). Numa palestra, Elliott lembrou que, quando na ativa, engolia calado os impropérios nos estádios. “O que Touré aguentou é inaceitável no século 21. Ninguém aceitaria em seu local de trabalho. Por que seria diferente com um jogador?”, disse.

Na NBA, um dirigente foi massacrado quando acusou o chefão da entidade, David Stern, de agir como o dono de uma “plantation” e “tratar os homens da NBA como se fossem seus crioulos”. Uma das razões por que no futebol não acontece coisa alguma é que, por motivos misteriosos, ele é gerido como se fosse a maçonaria, apegado a ideias do século XV. Se não são instaladas sequer câmeras nos gols, é demais esperar punição para gente que coça a cabeça e a barriga enquanto emite sons guturais. Paulão, mesmo, numa atitude incompreensível, se autoflagelou pedindo desculpas à torcida e aos companheiros por seu desempenho.

Em 2011, o presidente da Fifa, Joseph Blatter, declarou que não havia mais racismo. Depois teve de se desculpar. O futebol precisa de um símbolo forte para essa causa. Paul Elliott não tem a estatura de Pelé. A questão é que, na única vez em que se manifestou sobre o assunto, ele declarou o seguinte: “Na minha época, a gente ia jogar no interior e os adversários passavam a mão, xingavam a mãe, a mulher… Ninguém falava nada. Agora, qualquer coisinha é racismo. É um absurdo. Estão dando muita ênfase a isso”.

Se ao menos o Edson ficasse quieto…