Classificar corrupção como crime hediondo não resolve nada

Atualizado em 26 de junho de 2013 às 22:26

Sempre que algum político se vê encurralado, como Dilma, a ordem é: “Precisamos endurecer as penas”.

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A declaração da presidenta Dilma Rousseff de que irá apresentar um projeto de lei para classificar crime de corrupção como hediondo pode servir para vários interesses políticos – mas é, na verdade, pura demagogia para acalmar os ânimos populares.

A lei penal tem sido, historicamente, o bode expiatório predileto dos políticos. Ela não reclama, nem esboça qualquer reação e, por isso, é uma espécie de boneco de Judas, que todos malham à vontade. Além disso, segundo a distorcida visão do leigo, o Brasil tem muitos crimes porque nossas leis são fracas. Desse modo, sempre que algum político se vê encurralado por seus fracassos em determinado tema, ele aponta o dedo teatralmente para a lei e diz com voz tonitruante: “Precisamos endurecer as penas”.

Um passeio pelas mudanças da lei dos crimes hediondos é interessante para mostrar como ela nasceu e é ampliada sempre para que algum político queira se promover. Foi criada em 1990, com tramitação aceleradíssima, para contemplar, inicialmente, o crime de extorsão mediante sequestro. O legislador estava sob o impacto do sequestro dos empresários Abílio Diniz, em 1989, e Roberto Medina, em 1990.

Curiosamente, dentre o rol dos crimes classificados como hediondos não constava o homicídio qualificado (por exemplo, aquele cometido com meio cruel ou à traição). Claro, homicídio é crime que atinge os moradores da periferia e sua hediondez não foi percebida pelo legislador.

Em 28 de dezembro de 1992, o Brasil foi surpreendido pela morte da atriz Daniela Perez. Um homicídio horrível de uma moça que era uma das atrizes da novela da Globo. A repercussão foi tão grande, que em 1994, homicídio qualificado foi classificado como hediondo. Na verdade, enquanto se matava na periferia, não pareceu que o homicídio qualificado fosse hediondo. Bastou, porém, uma vítima de classe média alta para que a legislação mudasse.

Em 1998, houve uma sucessão de matérias sobre casos de falsificação de remédios – e foi considerado crime hediondo até a falsificação de cosméticos e de material de limpeza.

Também é possível constatar que um crime não é menos praticado por ser etiquetado dessa maneira. Tanto que a extorsão mediante sequestro aumentou vertiginosamente, de 1990 para hoje.

A corrupção não vai diminuir se houver essa mudança na legislação. Fica a impressão de que importante não é a consistência da resposta da presidência da República, mas o seu apelo popular. Por esse prisma, pouco importa se a lei dos crimes hediondos é ineficaz – o que vale é falar o que o povão gosta.

Sabe-se que grande parte da indicação dos partidos que gravitam em torno do poder não tem outra função senão a de arrecadar dinheiro espúrio. Não houve redução de Ministérios nem uma reforma administrativa para a diminuição dos cargos de livre provimento, substituídos por cargos de carreira, medidas que diminuiriam o espectro de atuação partidária. Se nada se fez — e o pior, se não se pretende fazer nada consistente — para diminuir a corrupção nas entranhas do governo, nada melhor que sair malhando o velho boneco de Judas, que aí está para expiar todos os pecados de qualquer pessoa pública: a lei penal.