Com vaia ou sem vaia, a usurpação da Olimpíada é a coroação do golpe do interino. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 29 de julho de 2016 às 23:02
Preparadíssimo para as vaias
Preparadíssimo para as vaias

 

No pacote de usurpações do interino, a Olimpíada é a cereja do bolo. A participação de Temer e sua corriola na idealização do evento é igual a zero.

No entanto, ele age como aquele sujeito que não comprou cerveja para a balada, matou o anfitrião — e vai receber os cumprimentos numa boa. Tudo com aquela naturalidade que Deus lhe deu.

Dilma tomou a sábia decisão de anunciar que não comparecerá à cerimônia de abertura. Não topa ficar numa “posição secundária”, numa “situação extremamente injusta”. “Fui eu que fiz os Jogos Olímpicos”, lembra ela. Lula também avisou que não estará lá. FHC ficará em casa.

Temer carregará a família: Marcela, Michelzinho e a sogra Norma Tedeschi estão garantidos. A mulher na tribuna de honra. Os demais parentes instalados num outro local no mesmo andar. Ao todo, 42 pessoas no trem da alegria.

Ele afirma que tem um “dever institucional” a cumprir. Declarou-se “preparadíssimo” para os prováveis apupos. “Aliás, eu soube que os ex-presidentes nem vão. A brincadeira é que eles estão reservando as vaias só para o presidente”, contou a uma rádio gaúcha.

Existem duas coisas tão corriqueiras na história das Olimpíadas quanto russos dopados: boicotes e protestos. Os EUA não foram a Moscou em 1980 e a Rússia devolveu o cano em Los Angeles 1984. Ao menos 25 nações africanas não compareceram a Montreal em 1976.

O capítulo 5 do regulamento dos Jogos reza que “nenhuma manifestação política, religiosa ou racial é permitida”. A regra foi ignorada sistematicamente. Em 1968, no México, por exemplo, Tommie Smith e John Carlos fizeram a clássica saudação dos Black Panthers no pódio dos 200 metros rasos.

E no Rio? O que deve vir pela frente?

Em maio, o intelectual americano Thomas Palley, especialista em globalização, responsável pelo think-tank Economics for Democratic & Open Societies, publicou um manifesto instando os países democráticos a boicotar os Jogos Olímpicos com o intuito de “parar o golpe brasileiro”.

Ninguém tomou conhecimento. Por enquanto, a tocha foi apagada em Angra dos Reis. Um cara também foi detido por gritar “Fora Temer” e solto logo depois.

A Frente Brasil Popular, articulação que reúne mais de 60 entidades, divulgou um calendário de atos. Haverá uma marcha nacional no centro do Rio no dia 5 de agosto. No dia 8, Dilma deve estar num “Circo da Democracia” — em Curitiba. A programação completa está aqui.

Nenhum parlamentar de esquerda se mexeu e nem vai se mexer. Segundo um amigo ligado a movimentos sociais, “o esporte faz parte da cultura do brasileiro. E lutar contra isso é tipo lutar contra o Carnaval”.

O chanceler José Serra está vendendo como grande êxito a vinda de 45 líderes internacionais. Na verdade, é o menor número das últimas edições. Muitos chefes de estado consideram o Brasil, corretamente, uma bagunça institucional. A habilidade de conviver com essa falsa sensação de normalidade é coisa nossa.

Temer acha que sairá consagrado. Há um curioso paralelo histórico. Em 1931, Berlim foi selecionada como sede. Em 1936, data dos Jogos, quem estava no poder era Hitler.

Houve algumas tentativas de boicote por parte de Reino Unido, França, Suécia, Holanda e EUA. Não prosperaram. Quarenta e nove delegações bateram ponto, a maior quantidade até ali. Foi um triunfo. A história de que Jesse Owens, o corredor negro americano, havia sido hostilizado por Hitler é balela.

“Quando eu passei, o chanceler se ergueu e acenou com a mão para mim. Eu respondi ao aceno”, disse Owens. Os dois trocaram cumprimentos civilizadamente, como manda o protocolo.

Caetano e Gil cantarão na festa carioca. Temer vai saudar as delegações, fará um discurso diminuto porque não é trouxa (“Declaro abertos os Jogos do Rio, celebrando a 31ª Olimpíada da era moderna”), Galvão Bueno decretará iniciado o maior espetáculo da Terra, Dilma assistirá da TV de pijama, Lula poderá estar preso — e vida que segue.