Como a Colômbia vê Pablo Escobar, segundo um psicólogo de Medellín. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 4 de setembro de 2015 às 14:59
Pablo Escobar
Pablo Escobar

 

O psicólogo Juan David Flórez nasceu e trabalha em Medellín. Sua especialidade é atender vítimas de confrontos armados. “Atendo pessoas na faixa dos 50, 60 anos, com traumas causados pela violência”, diz.

Algumas delas são sobreviventes da época de Pablo Escobar, que montou naquela cidade o cartel de narcotráfico que aterrorizou a Colômbia no fim dos anos 80 e começo dos 90.

Escobar é co-protagonista de “Narcos”, da Netflix, dirigida por José Padilha e com Wagner Moura no papel do traficante. Graças ao sucesso da série, ele tornou-se uma figura pop no Brasil. “Nós temos uma relação ambígua com Pablo Escobar”, afirma Flórez, que deu um depoimento ao DCM sobre como os colombianos encaram o homem e o mito:

 

Medellín é uma cidade mediana na Colômbia, com os problemas típicos de cidade mediana sul-americana que vocês conhecem. Escobar veio para cá na adolescência. Ele nasceu em Rionegro, no departamento de Antioquia.

Na juventude, era um delinquente comum. Roubava lojas, automóveis, esse tipo de coisa. Seguindo um caminho lógico, entrou no contrabando de cigarros e eletrodomésticos. 

Quando descobriu que ganharia muito dinheiro com a cocaína, entrou nisso com toda sua força e sua ambição enorme. Subiu na carreira como um executivo de uma grande empresa. 

Pablo tinha uma presença forte na periferia de Medellín. Gostava de dar presentes para a população, talvez pensando num futuro como político. Carros, comida, casas etc. O povo o adorava. Aliás, o povo ainda o adora. 

Ele ocupou o espaço que o estado deixou vazio. A Colômbia tem uma enorme desigualdade social. Não é que somos adoradores de criminosos. É que ninguém nunca olhou para aquela gente. Mas o bandido olhava.

Ele também tinha um traço que é muito respeitado entre nós. Escobar gostava muito de sua mãe. Aparecia com ela, levava a velha para todo lugar. Na cultura de Medellín, as mães e as avós são sagradas. Especialmente na periferia, onde os pais fazem filhos e desaparecem. 

Construiu vários campos de futebol e um bairro inteiro, que ainda tem seu nome. As casas foram todas doadas por Escobar. Num lugar esquecido pelo governo durante décadas, como as pessoas não amariam isso?

Mas ele quis entrar na política. Se tivesse ficado no crime, talvez tivesse sobrevivido. Isso incomodou quem sempre mandou na Colômbia desde os tempos da colônia. As oligarquias não iriam perdoar. 

Ele foi forçado a renunciar a seus planos de seguir no Congresso e uma guerra começou. Pablo matou e sequestrou juízes e políticos que apoiavam a extradição de traficantes para ser julgados nos EUA.

Escobar dizia que preferia uma tumba em Medellín a uma prisão americana. O candidato Carlos Galán foi assassinado num comício. Carlos Gaviria tomou seu lugar e se elegeu. Gaviria e Pablo entraram em guerra. Gaviria com os Estados Unidos, Pablo com os colegas de crime.

 

O bairro construído pelo traficante em Medellín
O bairro construído pelo traficante em Medellín

 

Mas é ingênuo acreditar que era o bem contra o mal. Não havia santos. A certa altura, ele se entregou às autoridades e construiu uma “prisão” especial. Era, na verdade, quase um resort, apelidado de “Catedral”. Havia bares, bebidas, mulheres. 

Ele não parou com suas atividades criminosas. Houve uma tentativa de coloca-lo numa penitenciária comum, mas ele escapou ao descobrir o plano.

Escobar foi caçado e morreu dois anos depois, nos telhados de uma de suas casas no bairro de Olivos. Eu tinha 7 anos, mas me lembro do dia em que anunciaram que ele foi morto na televisão. 

Pablo Escobar foi capaz de matar policiais, juízes, soldados do exército, um jornalista que o denunciou… Sua morte foi festejada como a solução dos problemas da Colômbia.

Nada mais falso. Ele foi substituído por alguns dos comparsas que o delataram. O cartel se mudou para Cali. A cocaína continua sendo vendida.

Escobar ganhou o carinho das pessoas porque os poderosos do país nunca fizeram absolutamente nada por elas. Há pequenas estátuas dele, de 70 centímetros, no bairro de Castilla.

Não é verdade que toda a Colômbia estava mergulhada num inferno na época. Minha família é de classe média. A vida seguiu normalmente para nós. Não vivemos todos numa selva.

O país ainda sofre com conflitos armados. Medellín tem muita violência. Há desapropriações forçadas nas comunidades carentes. O poder continua nas mãos dos de sempre.

Escobar era um monstro? Sim, mas um monstro que foi bastante fabricado por outros monstros, que tinham os melhores meios para isso. 

Sobre o Pablo Escobar de “Narcos”: você acha que um colombiano pode passar por um brasileiro? Esse é o problema dos gringos e de sua ignorância: eles creem que abaixo do México são todos iguais. Além do quê, esse Pablo é esbelto demais. 

 

Juan David Flórez
Juan David Flórez