“A empresa está fazendo doação, não tem dinheiro público. Não estamos gastando um centavo com eles. A vitamina é o de menos, eles estão fazendo uma ampla doação de medicamentos dentro desse programa. Qual é o mal? Não tem conflito de interesse [O prefeito eleva o tom de voz e ameaça encerrar a entrevista]”.
O trecho é de uma entrevista do prefeito de São Paulo ao Valor Econômico publicada no dia 1º de março. Na ocasião, ele perdeu a cabeça ao dar satisfação sobre o merchã que fez da Ultrafarma na fanpage da prefeitura no Facebook.
A rede de farmácias é patrocinadora do Lide, grupo fundado por Doria, e o conflito de interesses, juntamente com a falta de transparência, é patente.
Mas esse estilo se consolidou em uma ação de marketing jabazeira que dominou o mês de fevereiro.
João Doria Jr. viajou às cidades de Doha e Dubai entre os dias 12 e 17 de fevereiro atrás de seis fundos de investimento que são considerados os maiores do mundo.
A cobertura da mídia, numa combinação prévia de pautas e na organização da turnê, foi ostensiva. O tom triunfal preponderou, com situações constrangedoras. Sobrou jabá para todos os lados.
O jornal O Estado de S.Paulo admitiu, nas “reportagens”, que sua repórter viajou “a convite do governo dos Emirados Árabes Unidos e da Emirates Airlines”.
Doria, lê-se, foi visitar o autódromo de Yas Marina Circuit, administrado pela Abu Dhabi Motosports. “A empresa afirma movimentar o complexo cerca de 300 dias no ano. Um dos atrativos é a possibilidade de qualquer pessoa, habilitada a dirigir usufruir da pista por 20 minutos – por R$ 1,5 mil. Se privatizado, Doria diz que Interlagos poderá oferecer situação semelhante”, diz o texto.
Ele considera a experiência “um sucesso” e quer uma “tropicalização” da experiência internacional.
Numa nota anterior, o Estadão contou que o governo Doria e dos Emirados Árabes pagariam a viagem de quatro dias. “Para evitar custos extras, a Prefeitura afirma que Doria será acompanhado apenas de seu secretário municipal de Relações Internacionais, Júlio Serson. Os dois viajarão sozinhos, sem assessores – segundo o Estado apurou”.
A coluna Radar, da Veja, a mesma que revelou que Doria dorme “apenas três horas por noite” e que “secretários do prefeito estão exaustos com o ritmo de trabalho”, divulgou que o tucano foi recebido pelo príncipe Hamed Bin Zayed Al Nahyan, irmão do presidente de Abu Dhabi.
O príncipe surge, curiosamente, usando o bordão preferido de Doria: “Não gosto de políticos. O senhor é um gestor. Por isso, lhe recebi”.
O prefeito saiu feliz do encontro com Hamed, que tem US$ 900 bilhões em um fundo de investimento. O leitor saiu enganado.
O repórter Diogo Bercito, da Folha de S.Paulo, foi um dos poucos que questionou a turnê de João Doria. Perguntou-lhe se não havia conflito de interesses ao aceitar que os governos do Catar e dos Emirados Árabes pagassem sua viagem.
Doria, evidentemente, negou.
Em Dubai, João Doria Jr. se hospedou no hotel Jumeirah Al Naseem, cujo valor da diária em uma semana varia de R$ 2,1 mil até R$ 20 mil. Na cidade de Doha, ficou no hotel St. Regis que tem suíte presidencial de dois andares por R$ 39 mil.
Quem pagou a viagem dos jornalistas?
Diogo Bercito foi correspondente do jornal em Jerusalém e está em Madri. Ele não foi autorizado a dar entrevista ao DCM, mas a ombudsman respondeu meu email. “Todas as despesas da viagem e estadia do repórter Diogo Bercito aos Emirados Árabes foram pagas pela Folha”, informou.
A Band mandou um repórter pela agência Agaxtur de turismo. O presidente, Aldo Leone Filho, já deu entrevistas a João Doria Jr. no seu Show Business. Doria o chama de “Aldinho”.
O programa esteve na grade da Band até julho de 2016, quando JD saiu em campanha. Na televisão, o “enviado” da Band teve acesso total ao prefeito, que lhe deu uma entrevista “exclusiva” no avião em que os dois viajaram (assista o vídeo abaixo).
No rádio, a BandNews reaproveitava o conteúdo com pílulas. Só aí o cidadão era informado que o profissional viajou às custas da Agaxtur.
O DCM entrou em contato com a agência. “Temos um contrato de exclusividade com o Grupo Bandeirantes e foi desta forma que viabilizamos a viagem”, disse a assessoria de imprensa.
O consulado dos Emirados Árabes Unidos não deu detalhes sobre a parceria com o Estado de S. Paulo: “Não podemos responder esta questão e não temos um porta-voz com esta informação. Você deve se informar com o governo dos Emirados Árabes ou com empresas envolvidas na viagem”.
O Yas Marina Circuit não respondeu às perguntas enviadas pelo DCM até o momento da publicação deste artigo.
Enviei cinco perguntas à Secretaria de Comunicação da Prefeitura de São Paulo, SECOM.
- O Estadão diz que o governo dos Emirados Árabes pagou a viagem. A informação está correta ou a prefeitura ajudou de alguma forma?
- A coluna Radar na Veja também foi pelos Emirados Árabes ou conseguiu a informação diretamente da assessoria do prefeito?
- Demais publicações foram financiadas por outros órgãos para cobrir a viagem ou pela prefeitura?
- O príncipe Hamed Bin Zayed Al Nahyan, além de fazer elogios ao prefeito Doria, planeja ações em São Paulo?
- Quantas pessoas foram na viagem? Somente o prefeito e assessores?
A SECOM respondeu apenas que “a comitiva da Prefeitura na viagem foi composta pelo prefeito, o secretário de Relações Internacionais e um ajudante de ordens”, sem nenhum esclarecimento adicional.
Por enquanto, não há sinal do ouro da Arábia. O que temos é um tapete voador pilotado por Aladim, com um monte de oportunistas em cima e milhões de trouxas lá embaixo.