Como era o esquema de Jucá, filhos e enteados na Fazenda Recreio, alvo de operação da PF

Atualizado em 28 de setembro de 2017 às 9:18
Romero Jucá e o filho Rodrigo, preso pela PF

 

A Polícia Federal em Roraima, em conjunto com a Receita Federal, deflagrou a Operação Anel de Giges, na manhã desta quinta-feira, 22, para investigar uma organização criminosa acusada de peculato, lavagem de dinheiro e desvios de verbas públicas.

Filhos e enteados de Romero Jucá, líder do governo no Senado, foram alvos da operação.

Foi identificado o desvio de 32 milhões de reais dos cofres públicos, tendo como origem o superfaturamento na compra da Fazenda Recreio, localizada em Boa Vista, e na construção do empreendimento Vila Jardim, do projeto Minha Casa Minha Vida no bairro Cidade Satélite.

As transações da venda da Fazenda Recreio para a construção da Vila Jardim estão sendo investigadas, assim como a aprovação do empreendimento na Caixa Econômica Federal.

Em junho de 2015, pouco antes de se vender ao governo Temer, a Istoé fez uma matéria sobre o esquema. Ei-la:

A Fazenda Recreio, localizada em Boa Vista, capital de Roraima, é uma área erma com 1,6 mil hectares, com pouca infraestrutura urbana e baixa atratividade para o agronegócio. Ali perto passam poucos ônibus, não há escolas para as crianças ou postos de saúde. Mesmo assim, o local foi escolhido para abrigar um empreendimento do Minha Casa, Minha Vida, projeto do governo federal que consiste em oferecer imóveis a preços populares para a população de baixa renda.

Poderia ter sido apenas um erro de avaliação, um equívoco técnico cometido por profissionais desavisados. Os motivos que levaram à escolha da região, porém, são bem mais nebulosos. A fazenda pertence à família do senador Romero Jucá (PMDB). Para comprar uma pequena parte do terreno (de 26 hectares), a Caixa desembolsou R$ 4 milhões. Mas essa conta não fecha. Um hectare na região está avaliado em R$ 60 mil. Em valores de mercado, a Caixa deveria ter pago, portanto, algo como R$ 1,5 milhão pelos 26 hectares, ou R$ 2,5 milhões a menos.

02.jpg

A fazenda pertenceu a Romero Jucá até 1997. Neste ano, a propriedade foi doada a um casal de filhos do senador, Rodrigo e Marina, e a dois enteados, Luciana Surita e Ana Paula Surita. Em 2014, um quarto das terras apareceu na declaração de bens de Rodrigo Jucá, candidato a vice-governador, registrada com valor simbólico de R$ 15,4 mil. A modéstia para avaliar o próprio patrimônio desapareceu em janeiro de 2013, quando os quatro herdeiros, mais a ex-mulher de Jucá, Teresa Surita, fizeram negócio com a Caixa Econômica Federal para implementação do Minha Casa, Minha Vida na fazenda.

O senador e Teresa tiveram papel importante no projeto. Romero Jucá atuou de forma decisiva para aumentar a cota de residências do Minha Casa, Minha Vida para Roraima. “Graças a um entendimento que tivemos com a presidente Dilma, com a Caixa e com o Ministério das Cidades, conseguimos o remanejamento do número de casas de outros estados para Roraima”, afirmou o parlamentar ao Portal Amazônia, no dia 22 de janeiro de 2013, logo depois da assinatura do contrato com o banco estatal.

A viabilização do terreno da família para o empreendimento do governo contou com a presteza da prefeitura. Detalhe interessante: a prefeita é Teresa Surita, a ex-mulher de Jucá. No ano passado, foi ela quem assinou o termo em que o município se comprometeu a fornecer serviços públicos para o entorno do conjunto residencial. Na ocasião, a prefeitura se responsabilizou pela implantação de iluminação pública, asfaltamento da rua principal, coleta de lixo e serviços de transporte público na região. Segundo as regras do Minha Casa, Minha Vida, sem essas estruturas básicas o contrato deveria ser suspenso.

Além disso, os trâmites para a declaração da área como de interesse social, a autorização para o desmembramento da fazenda e a concessão da licença ambiental foram feitas no final de 2012, depois da eleição de Teresa Surita, pela quarta vez, para a prefeitura de Boa Vista. Embora ainda não tivesse tomado posse, ela exercia grande influência na administração de seu antecessor, Iradilson Sampaio, na época filiado ao PSB, vice-prefeito em uma de suas administrações. 

As famílias contempladas já começaram a receber os imóveis do Minha Casa Minha Vida, mas reclamam da falta de estrutura. A região não conta com oferta de ônibus e ainda não há escolas por perto. Foi a ausência de serviços públicos que levou opositores de Jucá e Teresa a verificar o motivo da escolha do loteamento para realizar o maior empreendimento do Minha Casa, Minha Vida no estado. Quando analisaram a papelada do financiamento, encontraram os poderosos sobrenomes Jucá e Surita no contrato. O vereador Gabriel Mota (PP) está levantando assinaturas para abrir uma CPI e investigar a execução do programa na capital. “Não existe em Roraima nenhum empresário que pague R$ 4 milhões à vista por um terreno”, afirma.

O empreendimento, que abrange 2.992 residências, é de responsabilidade da CMT Engenharia, que recebeu R$ 177,7 milhões para erguer as construções. O CNPJ da empresa reúne um aglomerado de outras empreiteiras e consórcios. Entre elas, a Egesa e a Constran, investigadas da Operação Lava Jato. A relação da família Jucá com a CMT vem pelo menos desde as eleições de 2010. A empreiteira doou R$ 500 mil ao comitê eleitoral de Jucá, então candidato ao Senado.

Pressionado pelas acusações dos adversários, Rodrigo Jucá enviou à Caixa alguns questionamentos sobre o negócio. O objetivo, claro, foi buscar argumentos de defesa. Na resposta, o banco estatal diz que todos os trâmites do programa foram cumpridos e os preços, definidos por “método comparativo de dados de mercado.” A Caixa nega ter havido “influência de qualquer tipo” no processo.

Em entrevista a ISTOÉ, Romero Jucá reconheceu ter trabalhado pela ampliação do número de imóveis do programa federal em Roraima. Com sua atuação, afirma, a cota do Minha Casa, Minha Vida no estado subiu de 900 para 5 mil unidades. Ele, porém, nega ter interferido no negócio da fazenda. “Isso é uma distorção que os meus adversários estão tentando fazer”, afirma. “Eu não era mais dono, meus filhos e enteados venderam as terras para a CMT, com aval da Caixa.” Sobre as facilidades concedidas pela administração municipal, o senador afirma que, se o bairro foi feito, a prefeitura tem mesmo que levar a infraestrutura.