Como Lula ajudou a criar o PSD de Kassab — que acabou traindo Dilma e ele. Por José Cássio

Atualizado em 14 de junho de 2016 às 21:51
Kassab e Lula
Kassab e Lula

 

O último escândalo da gestão de Michel Temer envolve Guilherme Campos Júnior, um amigo de faculdade do ministro interino da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab. O fato escancara de vez a farsa do discurso de que o governo não iria se prestar ao aparelhamento ideológico e servir de cabide de emprego para amigos e correligionários.

Nomeado para a presidência dos Correios há menos de uma semana, Campos corre o risco de ter o mesmo destino de três figurões que já foram enxotados da Esplanada: Fábio Medina Osório, da Advocacia-Geral da União, e Romero Jucá e Fabiano Silveira, demitidos do Planejamento e da Transparência. O motivo? Ele é acusado de falsificar assinaturas na formação do PSD.

O partido foi lançado em 2012 em um processo liderado por Kassab, com apoio do PT e do próprio Lula. 

O objetivo de Kassab era criar um espaço de poder que pudesse diminuir sua dependência do PSDB de José Serra, de quem é aliado. Após derrotar Geraldo Alckmin na corrida pela prefeitura em 2008, o atual ministro sabia que o ressentimento de seu adversário seria um empecilho para qualquer movimentação que tentasse entre os tucanos.

Lula, por sua vez, imaginou que o ex-prefeito poderia se tornar uma peça interessante para quebrar o monopólio do PSDB como representante da direita. 

Acreditava tanto na estratégia que colocou Jaques Wagner, então governador da Bahia e um de seus principais aliados, para ajudar a operacionalizar o novo partido.

Wagner comprou a ideia e indicou seu vice-governador, Otto Alencar, para compor a primeira formação do novo partido. 

Após a solenidade de formação da sigla, que aconteceu em Salvador, Wagner abriu a sua casa para recepcionar com uma festa regada seus novos aliados com um festa regada a champanhe.

Para que a nova legenda fosse criada, um dos requisitos era a necessidade do apoio de 0,5% do total do eleitorado registrado no Brasil. Entretanto, de acordo com o inquérito instaurado contra Campos, responsável pelo processo de captação de assinaturas, foram utilizadas assinaturas de pessoas que haviam morrido anos antes da formalização da sigla. 

As investigações seguiram em foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal (STF) entre 2012 e 2015, período no qual Campos exerceu o mandato de deputado federal por São Paulo. Quando ele não se reelegeu em 2014, as investigações foram encaminhadas à Justiça Eleitoral.

Com 33 deputados, o PSD é a sexta maior bancada na Câmara. 

Apesar de ter contado com o apoio petista em sua fundação, a adesão do partido foi decisiva para consolidar a derrota de Dilma na sessão da Câmara dos Deputados que selou o impeachment.

Dois dias antes dessa sessão, Kassab entregou sua carta de demissão do ministério das Cidades. Isso mostra o que pode ter sido um dos principais erros de cálculo político de Lula desde que chegou à presidência do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, ainda nos anos 1970.

Diferentemente de Kassab, Otto Alencar, atual senador pelo PSD pela Bahia, manteve-se leal aos antigos aliados e reiterou recentemente ser contrário ao impeachment de Dilma Rousseff, deixando para o atual mandachuva da sigla o papel de “quinta coluna”. 

A ideia de enfraquecer a oposição a Dilma, de acordo com a tese de Kassab de que o PSD avançaria prioritariamente sobre as lideranças do DEM, acabou surtindo efeito contrário. 

Isso não só ampliou, como consolidou um bloco de parlamentares conservadores e contrários à agenda progressista defendida pelo PT. Um erro fatal não apenas para o governo, mas também para a esquerda. 

Como lembra Luciana Genro, que concorreu à Presidência em 2014 pelo PSOL e agora se prepara para disputar a prefeitura de Porto Alegre, esse plano “deu margem para que os meios de comunicação tradicionais, especialmente a TV Globo, investissem num projeto de desmoralização da esquerda no país”. 

Quem conhece Kassab sabe que Luciana Genro não está exagerando.

Ele é tão explícito no seu modo de fazer política que, em sua primeira declaração em nome do PSD, descreveu com clareza o posicionamento ideológico do novo partido: “Nem de esquerda, direita ou centro”. Faltou apenas completar – sintetizando os ensinamentos que recebeu de Luiz Carlos Santos e Jorge Bornhausen, seus dois grandes mentores: “E sempre com o governo”.

A pendência na Justiça envolvendo as assinaturas suspeitas que garantiram, em tempo recorde, a criação do PSD não é um caso isolado de corrupção na trajetória de Kassab e seus aliados. Podemos ficar em apenas dois exemplos para ilustrar isso.

Durante sua passagem pela prefeitura, o Ministério Público moveu uma ação contra o ex-prefeito por irregularidades no contrato da Controlar, empresa de inspeção veicular, em 2007. 

Kassab teria reativado um contrato já caduco, provocando um prejuízo de nada menos de R$ 1 bilhão aos cofres do município. 

Seu nome também aparece envolvido em um dos casos da Máfia do Imposto Sobre Serviço (ISS). 

Dois ex-executivos da Unimed Paulistana foram denunciados por pagarem propina a Ronilson Bezerra Rodrigues, ex-subsecretário da Receita Municipal e chefe da quadrilha, para alterar um projeto de lei beneficiando a instituição.

Os executivos chegaram a Ronilson por meio de indicação direta do próprio Kassab, na época prefeito de São Paulo. Acredita-se que eles tenham procurado o então prefeito porque seu pai, Pedro Kassab, foi um dos fundadores da Unimed Paulistana. 

O atual ministro de Temer nega as insinuações, alegando que todas as demandas trazidas ao seu conhecimento eram encaminhadas às respectivas secretarias.

Kassab despontou na vida pública em 1989, na campanha de Afif Domingos à presidência pelo Partido Liberal (PL). 

Em 1992 foi eleito vereador pelo mesmo PL e, em 1994, deputado estadual.

Chefiou a secretaria de Planejamento de Celso Pita e em 1998 chegou à câmara dos deputados, sendo reeleito em 2002.

Em 2004, à contragosto de Serra, conseguiu encaixar seu nome como vice-prefeito na chapa encabeçada pelo PSDB. 

Acabou conquistando a simpatia e a confiança do chefe por causa do seu perfil discreto e pelo bom trânsito que sempre teve com setores financeiros, especialmente ligados à construção civil.

Filho de dois educadores, cursou engenharia civil na Escola Politécnica, onde conheceu Guilherme Campos Junior. 

Agora, após uma breve passagem pela base aliada do PT no Congresso, Campos e seu padrinho “quinta coluna” terão de se virar nos 30 para explicar como conseguiram em tempo recorde o número de assinaturas para a criação do PSD.

Isso para não dizer que, aproveitando que os fundos partidários diveram seus orçamentos elevados absurdamente em função do veto ás doações privadas de campanha, Kassab e Campos contam com mais um partido no prelo: o PL que eles estão “desenterrando” e garantem já ter o número de assinaturas sufiente para oficializar. 

Resta saber se no colo de Temer, Afif Domingos ou de quem eles pretendem entregar a nova sigla.