Como o “gestor” Doria escapou da condenação na Embratur por um voto político do TCU. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 13 de abril de 2017 às 21:14
Doria
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Esta é a primeira reportagem da série financiada pelos leitores através de crowdfunding.

 

O prefeito de São Paulo, João Doria, gosta de se definir como um gestor, não um político. Mas a leitura do relatório do processo a que ele respondeu no Tribunal de Contas da União (TCU) permite várias conclusões, menos a de que fez boa gestão como presidente na Embratur, entre 1987 e 1988.

Os inspetores do TCU encontraram nas contas de Doria “impropriedades de várias ordens”, como a contratação de empresa sem o julgamento das propostas dos concorrentes e a “não contabilização de verbas obtidas em convênio no exterior” (em bom português, desvio).

Os técnicos do Tribunal também identificaram repasses de dinheiro público a outras entidades sem a celebração de convênio ou a assinatura de contrato, e a falta de prestação de contas por parte de instituições que receberam os recursos.

A lista de “impropriedades” é grande. Os fiscais descobriram que assessores de Doria recebiam diárias para viagem ao exterior, mas ficavam no Brasil mesmo, às vezes recebendo verbas de empresas terceirizadas.

Na administração de Doria, os dirigentes, assessores e parentes recebiam de presente passagens aéreas e outros benefícios de prestadores de serviços, em situação de flagrante conflito de interesses.

Dois negócios foram definidos como especialmente “ruinosos” para a administração pública: a locação de programas de computação junto à empresa PROCON Informática Ltda. e a contratação, sem licitação, da FOCO-Feiras, Exposições e Congressos Ltda., para realização de eventos turísticos, no Brasil e no exterior.

Segundo auditoria realizada nas contas da gestão Doria logo depois que ele deixou a Embratur, a Foco, além de ter sido contratada sem licitação, celebrava contratos aditivos, que elevavam os preços a patamares que foram considerados muito acima dos de mercado.

O dono da Foco, Luiz Octávio Themudo, chegou a responder a uma ação popular na Justiça Federal no Rio de Janeiro, juntamente com João Doria, por superfaturamento nos contratos com a Embratur.

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Alguns anos depois, quando participava da organização da Eco-92, teve a prisão decretada sob a acusação de desvio de dinheiro para a organização de uma feira – esta realizada por outra instituição, não a Embratur.

Em sua defesa no processo do TCU, João Doria disse o que pode ser interpretado como “eu não sabia de nada” e colocou a culpa nos assessores e outros diretores – ele disse que, como presidente, não era sua atribuição verificar a contabilidade da Embratur.

O argumento não foi aceito, mas Doria acabou livre da condenação, por um entendimento expresso no voto do ministro Adhemar Paladini Ghisi, ex-deputado federal, e aceito pelos demais colegas da corte.

No julgamento realizado em 1994, Ghisi concordou com a defesa de Doria em alguns pontos. A culpa pela desordem orçamentária e financeira da Embratur foi debitada da conta da alta inflação do período, da moratória da dívida externa, que exigiria rapidez nas decisões, e da mudança da personalidade jurídica da Embratur – que havia deixado de ser empresa pública e se transformado em autarquia.

Pela fragilidade da fundamentação, fica claro que a aprovação das contas de Doria “com ressalvas” foi uma decisão política do TCU, que contrariou a conclusão do ministério público, de auditores e dos inquéritos administrativos realizados pela própria Embratur.

É irônico contatar que o homem que se apresenta como “gestor”, não político, tenha sido salvo por um voto político do TCU. Na Embratur sob Doria, em 1988, era difícil separar o privado do público, como mostrou o esse processo no TCU.

Qualquer semelhança com a prefeitura de São Paulo em 2017, com doações que se confundem com orçamento, certamente não é mera coincidência.

É a marca de um estilo. Ou seria de um método?