Como o jornalismo policial ajuda o crime organizado e o surgimento de figuras como Datena

Atualizado em 2 de agosto de 2015 às 16:13
A Toyota Hilux que seria vendida por 5 mil reais
A Toyota Hilux que seria vendida por 5 mil reais

 

Dias atrás um homem foi assassinado aqui no Espírito Santo. Alecsandro José da Silva, 37 anos, foi abordado no início da noite por um adolescente enquanto estacionava sua Toyota Hilux em frente a um restaurante. O homem reagiu à tentativa de assalto, foi baleado e morto. Ele iria comemorar o aniversário da filha de quatro anos.

A despeito da comoção causada pelo crime, a cobertura da imprensa seguiu o roteiro de praxe usado nos relatos de homicídios Brasil afora. Limitou-se a questionar a falta de policiamento no local e o suposto risco de impunidade por causa da idade do autor dos disparos.

Por outro lado, outros fatos presentes na ocorrência não suscitaram questionamentos, como a informação de que o veículo roubado seria revendido por 5 mil reais. Como um carro que custa mais de 100 mil é vendido por 20 vezes menos no mercado negro? O carro seria desmanchado ou revendido após ser adulterado?

Perguntas semelhantes poderiam ser feitas em relação à origem da arma utilizada, por exemplo, mas a imprensa se limitou a destacar o antagonismo vítima x algoz, tratando o crime como um fenômeno isolado e não como resultado da complexa teia da criminalidade.

“É importante que a informação de homicídios, desastres, assaltos, tudo isso seja transmitido, mas transmitido de uma forma que construa uma possibilidade do telespectador se posicionar em relação a esse problema, se posicionar politicamente, como cidadão, então o que de fato está acontecendo, quais são os dados, quais são os números, que políticas públicas estão acontecendo, nada disso aparece”, disse o psicólogo Davi Mamblona Marques Romão durante debate no programa Ver TV, da TV Brasil.

Mestre em Psicologia pela Universidade de São Paulo, Romão é autor da pesquisa “Jornalismo Policial: indústria cultural e violência”, cujos objetos de pesquisa foram os programas Brasil Urgente, Cidade Alerta e Balanço Geral.

Apesar do estudo focar em produções sensacionalistas, mesmo veículos com tom mais sóbrio produzem coberturas limitadas quando o assunto é segurança pública. Exceções, como a reportagem do DCM sobre o helicóptero com 445 quilos de pasta base de cocaína, ficam restritas a meios independentes.

O problema é que a superficialidade da cobertura realizada pela mídia tradicional não contribui para a busca de soluções coerentes para reduzir a criminalidade e produz pouca pressão sobre as autoridades governamentais, que se limitam a procurar “os suspeitos de sempre”, como disse o cínico Capitão Renault no filme Casablanca.

Na época em atuei na equipe da assessoria de comunicação da Sesp (Secretaria de Estado de Segurança Pública do Espírito Santo), cansei de atender repórteres que pediam “aquela notinha sobre o policiamento” para servir de resposta do governo nas notícias de assaltos ou homicídios.

Para o caso do Alecsandro, provavelmente pediriam uma fonte para entrevistar. Mas os questionamentos seriam banais, sobre a falta de policiais na rua e o alerta para a vítima nunca reagir ao assalto. Afinal, para a imprensa foi só mais um homicídio cometido por um adolescente “vida loca” que queria um dinheiro para torrar em drogas, nada mais que isso.