Como o U2 se tornou a banda mais odiada do mundo

Atualizado em 20 de setembro de 2014 às 19:04
Eles
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Publicado na Salon.

 

Na semana passada, o U2 derrubou a Internet, mas não do melhor jeito. O disco “Songs of Innocence” foi lançado num evento da Apple, e dado gratuitamente iTunes. O álbum custou 100 milhões de dólares para a Apple, segundo boatos do mercado.

Ao invés de gerar o tipo de campanha publicitária à qual a Apple está acostumada, “Songs of Innocence” gerou enorme barulho no Twitter, com a empresa obrigada a postar um guia sobre como remover o álbum de sua biblioteca em sua página de ajuda. No site da Wired, Vijith Assar chamou a ação de “desonesta” e disse que não é melhor do que um “spam”.

Este é um grande revés para uma banda que, há pouco mais de uma década, ainda podia ser chamada de maior do mundo. Em 2000, “All That You Can’t Leave Behind” vendeu 12 milhões de cópias e deu à banda uma relevância renovada na sequência do 11 de setembro.

Canções como o hino “One” sempre encontraram uma relevância universal, mas isso era um lembrete de por que o U2 era tão popular: unir tipos de pessoas que normalmente nunca iriam concordar com nada.

Mas, em 2014, eles parecem ser odiados com a mesma intensidade com que costumavam amados. A razão depende da sua perspectiva.

De acordo com uma página da web intitulada “Por que o U2 não presta”, a litania de razões vai desde “pretensiosos” a “derivativos” e “eles simplesmente são uma merda.”

O jornal The Guardian teoriza, porém, que nós odiamos o U2 por causa de Bono, enquanto o New York Observer acha que eles são o Guy Fieri da música, ou seja, bombásticos, uma porcaria brega para uma audiência tão vasta quanto possível.

Odiar o U2 é uma espécie de teste de Rorschach moderno, e acima de tudo, é o mesmo problema de gestão de marcas que se abate sobre praticamente qualquer banda que aspira ser a maior do mundo. No momento em que um grupo pretende ser a única coisa de que todo mundo gosta, torna-se a um “ninguém gosta”.

A maioria das pessoas que odeiam Nickelback, considerada a banda mais desprezível da história, não pode sequer citar uma única música do Nickelback. Embora Discotheque (do disco Pop, muito ridicularizado por seus excesso) seja tido como o momento em que o público se voltou contra eles, é mais provável que a culpa seja da Apple. O grande sucesso de Achtung Baby, de 1991, marcou o momento em que Bono tentou trazer a avant garde para o mainstream.

Embora Zooropa, de 1993, tenha ganhado o Grammy de Melhor Álbum Alternativo, Bono nunca quis ser uma “alternativa” (leia-se: nicho). Eles queriam ser a banda favorita de todos, uma das muitas razões por que Pop foi um desastre.

Pop, pelo menos, teve ambição. O supracitado disco seguinte, All That You Can’t Leave Behind, mirou num som mais amigável, ensinando a banda as lições erradas: o segredo do sucesso é forçar todos a gostarem de você.

Eles confundiram ubiquidade com aclamação. Quando How to Dismantle an Atomic Bomb saiu, ele veio com um comercial de iPod que colocou Bono cantando “Vertigo” em todas as telas nos Estados Unidos. Para uma banda que estava tão ansiosa em destruir as grandes empresas americanas apenas sete anos antes, parecia que eles haviam se vendido.

Se você gostou do tipo de música que eles estavam fazendo com Stuck in a Moment You Can’t Get Out Of, pode gostar de No Line on the Horizon, um álbum de 2009 cheio de jams.

 

 

Esta foi uma época em que até a sua política parecia reembalada para uma nova mentalidade global. Em vez de canções sobre o orgulho irlandês, Bono escreveu letras bobas sobre a paz mundial que poderiam tocar enquanto você anda pelos corredores do Walmart.

Essa mudança afetou particularmente a percepção pública de Bono. Muitas vezes ele aparece como um “santinho” para seus detratores, “rico além de seus sonhos, saindo com príncipes, presidentes e pregadores e mesmo assim sem calar a boca sobre os pobres.”

Para alguns, ele é menos o poeta que escreveu “One” do que um fanfarrão que quer intimidar os desafetos, como Susan Sarandon ou Sean Penn. Há uma desconfiança geral em torno do ativismo de celebridades, e quando você vê a propensão de Bono por usar imagens religiosas, ele se parece com Kanye West.

No entanto, as críticas de que a banda é exagerada não são novas. De acordo com Chris Willman, do Yahoo, a banda quase fez o impossível com Rattle and Hum, um disco com infusão de blues que prestou homenagem a muitas das influências da banda, de Elvis Presley a BB King, um tributo às suas influências que representou uma aparente “volta às raízes”. “Mas só havia arrogância na filmagem da turnê do disco”, Willman argumenta.

Curiosamente, a imagem da banda já havia sido esculpida; as fotos em preto-e-branco de Anton Corbijn para The Joshua Tree foram associadas a tudo o que os fãs amavam e odiavam sobre o grupo.

A diferença é, no entanto, que, em 1988, sua carreira teve tempo para se recuperar através de álbuns que fizeram o controle de danos necessário; Achtung Baby é tão bom que até mesmo os maiores inimigos de Bono tiveram que admitir que o homem sabia o que estava fazendo no palco. Depois de uma década de jingles comerciais medíocres, é difícil dizer a mesma coisa.

Esta é uma luta que todas as bandas que envelhecem enfrentam, quando as músicas que tinham frescor começam a murchar diante de você, como no caso do Aerosmith ou REO Speedwagon, o último rebaixado para feiras estaduais. Você pode estar vendo os Rolling Stones em seu estádio, mas você não está indo com a emoção de ver Mick Jagger em 1965, quando Satisfaction reuniu pessoas que talvez nem se chamassem fãs de rock.

O U2 pode ter pensado que ia causar enorme surpresa com o álbum, como aconteceu com Beyoncé e Skrillex, mas a maior surpresa é o quão pouco isso importou.

Bono passou as últimas três décadas e meia tentando fazer com que todos gostassem dele, mas o maior golpe de relações públicas que ele poderia dar é parar finalmente de se importar com isso.