Como os chineses vêem o Ocidente?

Atualizado em 24 de outubro de 2014 às 16:01
Família chinesa em cerca de 1900

 

Como os chineses vêem o Ocidente?

Um livro está me dando a oportunidade de saber, em detalhes, se não como eles vêem hoje, como eles viam no passado.

É um livro de 1897,  “A Inglaterra sob as Lentes Chinesas”, e pertence ao acervo da British Library. Baixei no iPad o aplicativo da BL e acabei dando naquele livro, que capturou prontamente minha atenção e admiração logo nas primeiras páginas. O autor, Wo Chang, viveu na Inglaterra 25 anos.

O livro é, de alguma forma, premonitório. Quando você o lê, fica clara a superioridade cultural da China sobre o Ocidente. Se a China não se tornou antes uma superpotência, foi por ter sido cruelmente agredida pelas potências ocidentais, lideradas pela Inglaterra. Na agressividade predatória, é preciso reconhecer, o Ocidente esteve sempre à frente. (Como o taoismo, filosofia influente na China, dizia que o melhor guerreiro muitas vezes é o que não luta, os chineses jamais se preocuparam em ser uma potência militar.)

Wo sublinha a importância do confucionismo para os chineses. Lembremos os pilares da filosofia de Confúcio: educar os jovens, ser leal aos amigos e cuidar dos velhos. Wo chama a atenção sobretudo para o último ponto. “Um ditado chinês diz que, entre 100 virtudes, nenhuma é tão importante quanto o cuidado com os velhos.” Wo opõe a isso o desprezo com que no Ocidente os filhos costumam tratar os pais velhos, em consequência da fragilidade dos laços familiares. Ele evoca Confúcio, que dizia que quem não conseguia cuidar de uma família não podia cuidar de um país.

Desprezamos os velhos quando somos jovens, e só vamos nos dar conta da tragédia disso quando nós é que ficamos velhos. A conta vem, e é pesada.

Ele conta uma história exemplar. Um casal em Pequim maltratava sistematicamente a mãe do marido. Os dois foram condenados à morte. O imperador exigiu que o caso fosse amplamente divulgado no país para que as pessoas soubessem o que acontece com quem desrespeita e agride os velhos. “Nosso país tem que se fundar na devoção dos filhos aos pais”, escreveu o imperador.

Wo não entendia como, na Inglaterra, as mulheres que tentavam o suicídio no Tâmisa eram presas, e não os maridos que as levaram ao desespero. Também não compreendia que as crianças sem lar eram punidas com o confinamento, enquanto nada acontecia com os pais que não cuidaram delas. O tratamento aos animais também lhe provocava repulsa. Wo se refere ao “holocausto” dos pássaros mortos no “revoltante esporte” da caça.

É um livro centenário – mas de completa atualidade. Desenha nos detalhes a alma chinesa e a alma ocidental – e deixa claro qual delas acabaria por triunfar.