Como os venezuelanos estão vivendo nestes dias de incerteza sobre Chávez

Atualizado em 3 de março de 2013 às 18:00

Os chavistas sofrem, mas o país parece se encaminhar lentamente para novas eleições.
Supporters of Venezuelan Hugo Chavez

Esta é  uma versão condensada de um artigo escrito pelo correspondente do Guardian em Caracas, Stephen Gibbs.

DE CARACAS
Gustavo Patraín tem sido um defensor leal do presidente Chávez nos últimos 14 anos. “Ele é o homem, o líder, o tudo”, diz ele, olhando por baixo do capô do Dodge Coronet 1976 que está tentando consertar.

De acordo com o governo, o mecânico é atualmente também um vizinho próximo do presidente enfermo. A casa de tijolos sem janelas de dois quartos que divide com sua esposa, e três de seus cinco filhos fica em frente ao hospital militar Carlos Arvelo.

É ali, no oitavo andar, que Chávez está aparentemente sendo tratado. Um cartaz enorme de Chávez cheio de saúde foi fixado num lado do edifício.

Mas Gustavo não está convencido de que Chávez esteja no hospital. “Será que ele realmente está lá? Precisamos saber. Eles devem deixar um de nós, do povo, vê-lo. Até agora tem sido apenas o governo.”

Não há imagens de Chávez na Venezuela após seu retorno de Cuba. O governo vem emitindo vagas, mas cada vez mais pessimistas, informações sobre a sua condição. Na quinta-feira o vice-presidente, Nicolás Maduro, pareceu sugerir que o fim estava próximo. O presidente, disse ele, está “lutando por sua saúde e sua vida”. Maduro chegou a dizer que Chávez “deu sua vida para aqueles que não têm nada”.

Na sexta-feira, numa missa rezada no hospital, ele disse que o presidente estava fazendo quimioterapia, e falou numa “nova fase” de tratamento “mais intenso e difícil”.

Fora do hospital, soldados da guarda presidencial, facilmente distinguidos pelas suas brilhantes boinas vermelhas, dão a impressão de que o homem que conduziu este país rico em petróleo desde 1999 está dentro. Ocasionalmente, eles param um carro ou uma moto na rua e fazem uma inspeção rápida. A mídia estatal informa que por instruções pessoais de Chávez o hospital, que antes de seu governo era apenas para uso dos militares, continua a funcionar normalmente como um hospital público, apesar de sua presença.

Belinda, de 39 anos, passou o mês passado no interior do edifício. Ela estava lá antes da chegada do presidente, cuidando de sua mãe, que sofreu um derrame em janeiro. Ela diz que o dia em o presidente voltou para a Venezuela três andares superiores do hospital foram fechados e todo o edifício foi momentaneamente esvaziado. “Mas depois tudo voltou ao normal”, acrescenta ela. “Acho que ele está lá. Mas não estou certa de que ele está vivo.”

Caracas está repleta de tais rumores. Na sexta-feira, as autoridades responderam. Atacaram o que descreveram como “fascistas” da mídia internacional que espalham mentiras na tentativa de desestabilizar o país. Destacaram o jornal espanhol ABC, que publicou declarações sem fontes segundo as quais Chávez decidiu passar seus últimos dias no retiro presidencial de La Orchilla, no Caribe, rodeado por sua família. Jorge Arreaza, ministro da ciência casado com a filha mais velha do presidente, disse que as afirmações são “bizarras e infundadas”.

Maduro é o amigo e assessor mais próximo de Chávez, mas não é Chávez
Maduro é o amigo e assessor mais próximo de Chávez, mas não é Chávez

Mas a especulação é alimentada pelo sigilo do próprio governo sobre a natureza e gravidade do câncer do presidente. Em junho de 2011 ele revelou que um tumor do tamanho de uma bola de beisebol tinha sido descoberto, e removido, de sua região pélvica. Em duas ocasiões, Chávez declarou que estava livre do câncer, a mais recente durante a campanha para a reeleição em outubro

Mas em dezembro passado ele revelou que o câncer retornara, e que ele precisava de uma quarta operação. Antes de partir para Cuba, Chávez apareceu na televisão nacional. Ciente da gravidade de sua doença, disse que, se o tratamento que ele estava prestes a sofrer o deixasse incapacitado, novas eleições presidenciais deveriam ser realizadas.

Disse ali que as pessoas deveriam votar no vice-presidente Maduro. Segurando uma cópia da constituição, ele enfatizou que esta era a sua vontade “absoluta, irrevogável”. Beijou, então, o crucifixo.

Maduro, motorista de ônibus que virou líder sindical e se tornou o mais próximo assessor e amigo de Chávez, parecia desconfortável, sentado ao lado de Chávez. Diosdado Cabello, antigo soldado que agora serve como chefe da Assembleia Nacional e é visto como um possível rival para Maduro, permaneceu impassível.

Mas, apesar de clara, a ordem de Chávez  parece ter sido ignorada. Pode ser também que seus subordinados entendam que o momento de seguir suas instruções ainda não chegou.

Em 10 de janeiro, quando Chávez deveria ter iniciado seu quarto mandato presidencial, a data simplesmente veio e se foi. Uma festa de celebração foi realizada na sua ausência. O Supremo Tribunal decretou que Chávez tinha direito a atrasar o processo tanto quanto quisesse.

Maduro agora parece dirigir o país, mas ele rejeita o título de “presidente em exercício” e insiste em que Chávez continua bem o suficiente para dar instruções. Na semana passada, foi anunciado que o presidente participou – presumivelmente de sua cama de hospital – de uma reunião cinco horas.

Numa entrevista a jornalistas, Maduro reconheceu que Chávez não está conseguindo falar por causa de um tubo na traqueia para auxiliar sua respiração, mas afirmou que ele tem sido capaz de contribuir para as reuniões com “uma variedade de meios de escrever”. Diplomatas venezuelanos têm falado em várias cartas supostamente de Chávez, uma delas de parabéns a Raúl Castro, de Cuba, por sua reeleição como presidente.

“O processo de beatificação começou”, diz Carlos Calderón, um advogado baseado em Caracas. “Hugo Chávez está se tornando uma figura do inconsciente, cujos desejos estão sendo cumpridas por seus ministros.”

O talento incomparável de Chávez em falar para os pobres na Venezuela – em conjunto com os bilhões de petrodólares gastos em programas sociais – valeram-lhe uma reverência quase religiosa de seus seguidores. Mas ele continua sendo uma figura singular de divisão – é amado por seus partidários e detestado por seus adversários.

“Ele é o tipo de presidente que só vem a cada dois séculos”, diz Francisco Morón, em sua casa nova de três quartos, dada pelo governo no ano passado, depois de 25 anos de falta de moradia.

Enquanto isso, a oposição da Venezuela está lentamente se preparando para a possibilidade de novas eleições. O candidato deve ser o governador do estado de Miranda, Enrique Capriles. Capriles perdeu em outubro passado, mas obteve quase 45% dos votos.

A oposição, até agora, não conseguiu atrair um número suficiente de eleitores descontentes chavistas à sua causa. Mas seus líderes vêem uma possível oportunidade na crise atual, especialmente caso se comprove que as autoridades que cercam Chávez estão enganando os seus simpatizantes.

Em toda Caracas, enormes cartazes proclamam: “Somos todos Chávez”. A mensagem é que o movimento político de Chávez, o chavismo, é mais do que um homem, e, presumivelmente, pode sobreviver-lhe.

Mas a admiração de Gustavo por Chávez é quase compensada pela sua desconfiança dos homens cuja tarefa pode ser a  de manter o legado do presidente.

“Seja quem for Maduro”, diz o mecânico, “ele não é Chávez.”