Cony: badalado, mas enfadonho e superficial. Por Marcius Cortez

Atualizado em 21 de janeiro de 2018 às 7:24
Cony

POR MARCIUS CORTEZ

Os mortos merecem respeito, porém os mortos um dia foram pessoas vivas que deixaram boas ou más recordações. Para mim, o jornalista Carlos Heitor Cony, recentemente falecido, foi um caso de má lembrança.

Nas duas vezes que estive com Cony trocamos escassas palavras. A primeira foi no Festival Literário do Recife, em 2010 e anos depois na Flipinha de Paraty. Em Recife, por um triz, não acertei uma cotovelada no bigode do Heitor. Antes de terminar a minha palestra, quis prestar uma homenagem à intelectual e artista gráfica Émilie Chamie que morrera àquela manhã.

Pois bem, estava eu a enxugar uma lágrima que se meteu no meio da minha fala quando ouvi o colunista da Folha de S.Paulo fazer um comentário injurioso à minha iniciativa. Preferi manter a calma e esperar o momento adequado. No cafezinho, colei no gajo e lhe disse que ele falou merda. Acontece que o diretor da Rede Manchete era liso que nem sabonete e escapou se agarrando numa conversa com uma admiradora, àquela altura completamente descabelada.

Os críticos literários João Alexandre Barbosa e Luiz Costa Lima haviam feito minha cabeça em relação ao autor de “Quase Memória”. Em síntese, o que eles me disseram foi o seguinte: “Não vamos perder tempo com um certo tipo de literatura enfadonha e superficial. Vamos ler Machado, Guimarães, Graciliano, Clarice, esse sim é o andar superior da nossa literatura”.

Ainda sobre Cony, a minha memória registrou o comentário do poeta e crítico Sebastião Uchoa Leite: “Trata-se de um oportunista, foi contra a ditadura, mas depois revelou-se um reaça execrável”. (Hoje em dia, pela nova geração, Cony é tido como coxinha. Embora haja uma polêmica, pois tem uma galera que garante que o ex-seminarista está mais para pato do que para coxinha).

Um dia desses, vendo televisão, fui impactado pelo Cony se apresentando como um anarquista inofensivo. Risos, risos, por favor. O badalado escritor teve o desplante de afirmar isso de dentro do ridículo fardão de uma das instituições mais borocoxô do país, a velha e morta Academia Brasileira de Letras. Sem falar no principal, como pode um ser que se diz pensante cometer absurda leviandade contra os verdadeiros anarquistas?

Sigo tranquilo, não ofendi a honra desse importante figurão das panelinhas oficiais da incultura brasileira. Tranquilo sim, porque foi ele quem desrespeitou a nossa inteligência, pensando que somos os otários da confraria dos sem miolo.

O problema é que os mortos não podem se defender, mas que não seja por isso. Cony conquistou um fã-clube e se alguém se sentir ofendido, que defenda o seu ídolo. De qualquer maneira, só tenho a lamentar, pois o imperial jornalista podia ter partido sem essa. Teria sido legal se ele fosse mais sincero e tivesse dado razão ao arquiteto Oscar Niemeyer: “Na Academia Brasileira de Letras, eu não entro. Não entro porque não sou babaca”.

“Criar é correr o grande risco de chegar à realidade” dizia Clarice Lispector. Nem morto, o ilustre e conivente imortal mergulharia em águas tão profundas.