Qualquer coisa que estimule o hábito da leitura no Brasil é um avanço.
Na semana passada, a ministra da Cultura, Marta Suplicy, havia feito um anúncio alterando o escopo inicial do Vale-Cultura onde permitia incluir as despesas com TV por assinatura no benefício mensal de R$ 50 a que o trabalhador que ganha até cinco salários mínimos terá direito em breve.
Desde o início fui favorável ao projeto. As opiniões contrárias a ele não me seduziram. Que é desperdício gigantesco de dinheiro público (calcula-se que a parte do governo ficará em aproximadamente R$ 10 bilhões/ano uma vez que dos R$ 50 recarregáveis, R$ 5 são pagos pelo empregador, os outros R$ 45 financiados pelo governo), que há necessidades muito mais prementes, que um valor desses faria uma brutal diferença se direcionado para hospitais, creches ou escolas públicas, que é nítido o interesse eleitoral da iniciativa, etc etc etc.
Sei disso tudo, mas cultura não é essencial? Não é fundamental? Se estamos carentes em várias frentes, isso é outro problema. Alguma coisa precisava ser feita também pela cultura.
E com os R$ 50 estipulados é perfeitamente possível comprar um livro por mês e ainda sobra algum para o jornal, revista ou um cineminha. Se aumentássemos a média de leitura do brasileiro para 12 livros ao ano, passaríamos a ser outro povo, outro país.
Eu só não contava com a intromissão da televisão. Despesas com TV por assinatura estavam entre as financiáveis pelo projeto. Ontem isso caiu — na minha opinião, acertadamente.
Quem pode dizer o que é e o que não é cultura? Tudo é cultura, aprendemos desde cedo. Meses atrás, quando anunciou que o benefício poderia ser gasto pelo trabalhador da maneira que bem entendesse, a ministra havia sido democrática. Disse que não era papel dela nem do governo interferir nas opções de compra daquilo que chamou de “alimento para alma” e, bem, se a despesa seria feita numa obra clássica ou num livro de autoajuda, isso seria o de menos. Clap, clap, clap, como dizem aqui no DCM. Concordei.
Fico feliz quando vejo pessoas lendo no metrô e não me incomodo com o que leem. Estão lendo, já é alguma coisa. Pois o tempo todo eu tinha em mente os livros, os shows, o teatro.
Meus argumentos estavam um pouco envenenados, admito. Porém, mesmo deixando a TV isenta de meu preconceito, ainda acredito que a abertura feita era prejudicial.
A proposta do Vale-Cultura é a de incentivar o acesso à cultura nas classes menos favorecidas (que já assistem televisão) e ao mesmo tempo fomentar a indústria cultural de setores como cinema, teatro e livro, desde sempre tão carentes. Que mudança no cenário ocorreria com uma medida que estimula quem já assiste TV a continuar assistindo? E que incentivo mais necessitam as operadoras que, rápidas no gatilho, já estavam adequadamente elaborando pacotes a R$ 49,90 e que vendem seus minutos de publicidade a peso de ouro?
Ainda mantendo meu preconceito amordaçado, não posso entretanto fechar os olhos para um aspecto relevante do comportamento do espectador de TV a cabo. O ranking das 10 maiores audiências em canais por assinatura (pesquisa realizada pelo IBOPE) é este:
- Globo
- Record
- SBT
- Band
- Discovery Kids
- Sportv
- Cartoon
- RedeTV
- Disney
- Nickelodeon
As quatro maiores audiências em canais por assinatura são de emissoras que possuem o sinal livre. Entre as dez, cinco são de TV aberta. Por que pagar para assistir aquilo que é gratuito?
Tirar as pessoas do sofá é benéfico em todos os sentidos.