Por que o Vale-Cultura merece aplauso

Atualizado em 15 de março de 2013 às 10:27

Qualquer coisa que estimule o hábito da leitura no Brasil é um avanço.

Escultura com livros de Mark Stilkey
Escultura com livros de Mike Stilkey

 

Na semana passada, a ministra da Cultura, Marta Suplicy, havia feito um anúncio alterando o escopo inicial do Vale-Cultura onde permitia incluir as despesas com TV por assinatura no benefício mensal de R$ 50 a que o trabalhador que ganha até cinco salários mínimos terá direito em breve.

Desde o início fui favorável ao projeto. As opiniões contrárias a ele não me seduziram. Que é desperdício gigantesco de dinheiro público (calcula-se que a parte do governo ficará em aproximadamente R$ 10 bilhões/ano uma vez que dos R$ 50 recarregáveis, R$ 5 são pagos pelo empregador, os outros R$ 45 financiados pelo governo), que há necessidades muito mais prementes, que um valor desses faria uma brutal diferença se direcionado para hospitais, creches ou escolas públicas, que é nítido o interesse eleitoral da iniciativa, etc etc etc.

Sei disso tudo, mas cultura não é essencial? Não é fundamental? Se estamos carentes em várias frentes, isso é outro problema. Alguma coisa precisava ser feita também pela cultura.

E com os R$ 50 estipulados é perfeitamente possível comprar um livro por mês e ainda sobra algum para o jornal, revista ou um cineminha. Se aumentássemos a média de leitura do brasileiro para 12 livros ao ano, passaríamos a ser outro povo, outro país.

Eu só não contava com a intromissão da televisão. Despesas com TV por assinatura estavam entre as financiáveis pelo projeto. Ontem isso caiu — na minha opinião, acertadamente.

Quem pode dizer o que é e o que não é cultura? Tudo é cultura, aprendemos desde cedo. Meses atrás, quando anunciou que o benefício poderia ser gasto pelo trabalhador da maneira que bem entendesse, a ministra havia sido democrática. Disse que não era papel dela nem do governo interferir nas opções de compra daquilo que chamou de “alimento para alma” e, bem, se a despesa seria feita numa obra clássica ou num livro de autoajuda, isso seria o de menos. Clap, clap, clap, como dizem aqui no DCM. Concordei.

Fico feliz quando vejo pessoas lendo no metrô e não me incomodo com o que leem. Estão lendo, já é alguma coisa. Pois o tempo todo eu tinha em mente os livros, os shows, o teatro.

vale

Meus argumentos estavam um pouco envenenados, admito. Porém, mesmo deixando a TV isenta de meu preconceito, ainda acredito que a abertura feita era prejudicial.

A proposta do Vale-Cultura é a de incentivar o acesso à cultura nas classes menos favorecidas (que já assistem televisão) e ao mesmo tempo fomentar a indústria cultural de setores como cinema, teatro e livro, desde sempre tão carentes. Que mudança no cenário ocorreria com uma medida que estimula quem já assiste TV a continuar assistindo? E que incentivo mais necessitam as operadoras que, rápidas no gatilho, já estavam adequadamente elaborando pacotes a R$ 49,90 e que vendem seus minutos de publicidade a peso de ouro?

Ainda mantendo meu preconceito amordaçado, não posso entretanto fechar os olhos para um aspecto relevante do comportamento do espectador de TV a cabo. O ranking das 10 maiores audiências em canais por assinatura (pesquisa realizada pelo IBOPE) é este:

  1. Globo
  2. Record
  3. SBT
  4. Band
  5. Discovery Kids
  6. Sportv
  7. Cartoon
  8. RedeTV
  9. Disney
  10. Nickelodeon

As quatro maiores audiências em canais por assinatura são de emissoras que possuem o sinal livre. Entre as dez, cinco são de TV aberta. Por que pagar para assistir aquilo que é gratuito?

Tirar as pessoas do sofá é benéfico em todos os sentidos.