Cunha tem razão em se sentir traído pela Globo, que o conhece no sentido bíblico. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 16 de dezembro de 2015 às 10:21
Nem todo canalha era magro
Nem todo canalha era magro

 

Uma cena passou despercebida na coletiva de Cunha depois que a Polícia Federal deu uma batida em suas casas.

“O governo quer desviar a mídia do processo de impeachment e quer voltar a colocar no PMDB, em mim, a situação do assalto na Petrobras, que foi praticado pelo PT”, disse.

A mídia está do lado de seus inimigos, falou. E então se voltou ao jornalistas e aliviou: “Vocês não, é claro”.

Cunha sempre contou com a imprensa e está se sentindo traído. No começo do ano, sua eleição para a presidência da Câmara foi festejada em manchetes. “Aborto e regulação da mídia, só pode cima do meu cadáver”, declarou, deixando claro que estava ali para defender os amigos.

Aos poucos, diante dos flagrantes sucessivos e da avalanche dos fatos, Cunha foi abandonado até que editoriais pediram sua cabeça. Com ele, o impeachment fica desmoralizado.

Ninguém desempenha melhor esse papel de neo indignação do que a Globo, que insiste em tratar o deputado como um desconhecido — como fez com Ricardo Teixeira e tantos outros, aliás.

Na verdade, é uma relação antiga e que tem como um dos elos a mulher dele, Cláudia Cruz, que um dia sonhou ser primeira dama e agora torce para não ver o sol nascer quadrado.

Cláudia foi empregada da Globo entre 1989 e 2001. Apresentou Bom Dia Rio, Jornal Hoje, RJTV, Globo Ciência, Globo Comunidade, Jornal da Globo e Fantástico.

Em 10 de abril de 2000, deu a notícia da demissão de seu marido da presidência da Companhia Estadual de Habitação, Cehab, por causa de denúncias de fraudes em contratos. Meses depois, seria demitida.

A Globo conhece Cunha, no sentido bíblico, muito bem. Segundo matéria da Folha, em 1992 o então presidente da extinta Telerj assinou um aditivo de 92 milhões de dólares a um contrato de 1989 com a NEC Brasil — fornecedora de equipamentos para telefonia controlada, na ocasião, por Roberto Marinho.

Não houve licitação. O aditivo serviria para ampliar o número de terminais para 40 mil celulares (em 1993, um segundo aditivo foi assinado por 30 milhões de dólares por mais 40 mil terminais — 62 milhões a menos do que pagou Cunha).

Uma colunista da revista Época explicou seu modus operandi com a imprensa. Em 1996, ele teria ido parar numa delegacia da Barra da Tijuca com a ex-mulher Cristina Dytz depois de uma briga. “Cunha”, segundo o texto, “fez de tudo para impedir a publicação. Telefonou primeiro para um editor, depois telefonou para o dono do jornal. A reportagem saiu. Cunha travou com o jornalista um diálogo pesado ao telefone. E o levou à Justiça. Perdeu, porque nada havia ali que configurasse difamação ou injúria. Apenas fatos.”

Enquanto Cunha não foi apanhado com a boca na botija, Cláudia voou à vontade. Ele dançou na Cehab, ela dançou também. Durante ao menos duas décadas, a Globo não moveu um dedo de seu arsenal jornalístico para mostrar quem era EC.

Agora o jornal avisa que “venceu o prazo de validade de Eduardo Cunha”. Mas só agora?? Como numa novela vagabunda, o rapaz tem razão em se sentir usado e jogado fora quando não interessa mais.