Danilo Gentili e a doadora de leite: estupidez não é a mesma coisa que politicamente incorreto

Atualizado em 1 de fevereiro de 2021 às 17:22

 

“Em termos de doação de leite, ela já tá quase alcançando o Kid Bengala”.

Era uma piada?

A Bandeirantes foi condenada a pagar 5 mil reais diários de multa porque Danilo Gentili dedicou alguns bons minutos de seu programa à pernambucana Michele Rafaela Maximino, que doou mais de 300 litros de leite para hospitais de Pernambuco. Ela tentava entrar para o Guinness.

“Ele falou essas barbaridades e eu estava fazendo um incentivo às mães a doarem leite”, disse Michele. “Eu passava na rua e o povo falava : ‘Olha a vaca de Danilo Gentili’!’. Fiquei várias noites sem dormir. Um peito secou”.

Defensores de Gentili se queixaram da sentença. Censura! Censura onde, se ele não foi proibido de falar? Exerceu sua liberdade de expressão e Michele, que se sentiu ofendida, foi à Justiça, o que é direito dela. Ganhou.

Hoje temos mais comediantes de stand up do que microfones para eles. Gentili tem um estilo ofensivo. É tido como um comediante politicamente incorreto. Não é. O politicamente incorreto, em sua boa forma, expõe e destrói preconceitos. Gentili faz o contrário.

Gente como Andrew Dice Clay, George Carlin, Lenny Bruce, entre outros, são expoentes dessa escola. Eddie Murphy também. Carlin e Bruce morreram, Clay e Murphy sumiram. Murphy tirava sarro de negros, como Chris Rock. Uma diferença é que eles são negros. A outra é que eles são engraçados e inteligentes. Rock, aliás, é autor de um excelente documentário chamado “Good Hair” (“Cabelo Bom”).

O que a turma de Gentili faz é outra coisa. Um dos nomes é covardia. É a transposição para a TV do valentão que fica no fundo da classe xingando a gorda, o quatro-olho, o macaco, o aleijado, o judeu, o retardado etc. Todos os grandes incomodavam o poder. Lenny Bruce criticava a Justiça americana. Algum poderoso foi ridicularizado por Gentili? Claro que não. Rafinha Bastos mexeu com a mulher de um empresário que era amigo de Ronaldo Fenômeno. Em dois dias estava fora da Bandeirantes.

A melhor comédia que se faz hoje transcendeu isso. Jerry Seinfeld criou a sitcom definitiva falando sobre o nada. Sim, tinha piada de bicha (“não que haja nada de errado com isso”, diria George Costanza). Larry David, co-autor de “Seinfeld”, é a estrela de “Curb Your Enthusiasm”, em que não perdoa o judaísmo — o judaísmo DELE. ELE é o trapalhão, ELE é o grosso.

Ricky Gervais, inventor de “The Office”, estreou um seriado na Netflix em que interpreta um deficiente mental. É terno e, em alguns momentos, hilariante. Louis CK lota teatros tirando sarro de suas duas filhas pequenas. Num de seus esquetes, imagina Deus voltando à Terra e dando uma bronca: “Que porra vocês fizeram? Até os ursos polares? Quem vazou óleo? Eu dei tudo o que vocês queriam e vocês fazem isso?” Russell Brand detonou a Hugo Boss num evento que a marca patrocinava e em que ele era um dos premiados.

Eles falam palavrões e são contundentes. Nenhum deles é vendedor de incenso. São agressivos e polêmicos. Abordam assuntos quentes. Não faz diferença se são de esquerda ou de direita. Tem de ser engraçado. E eles sabem que voltar suas baterias contra uma moça que doa leite não é provocação esperta, não é comédia. É apenas o triunfo da estupidez. Agora, nessa área, pelo menos, nenhum deles bate Danilo Gentili.