‘Entrevista com Escritores Mortos’ 25: Honoré de Balzac

Atualizado em 3 de julho de 2015 às 18:47
Em Paris, não há melhor parente do que uma nota de mil francos, nem melhor amigo que os créditos populares.
Em Paris, não há melhor parente do que uma nota de mil francos, nem melhor amigo que os créditos populares.

Nada como uma conversinha despretensiosa com o querido, venerável Honoré de Balzac (1799 – 1850).  É mais um capítulo da série Conversas com Escritores Mortos. As frases em questão foram retiradas, em sua grande maioria, do livro A Menina dos Olhos de Ouro.

Por mais que o senhor tenha nascido em Tours, Monsieur de Balzac, viveu por muito tempo na capital francesa. Os parisienses são belos?

Muito pelo contrário. Na verdade, um dos espetáculos que reúne o que há de mais terrível é certamente o aspecto geral da população parisiense, povo horrível de se ver, macilento, amarelado, com a pele curtida.

Não creio!

Homens cujos rostos marcados, torcidos, exalam por todos os poros o espírito, os desejos, os venenos que enchem os seus cérebros; não são rostos, mas máscaras.

Como assim?

Máscaras de fraqueza, máscaras de força, máscaras de alegria, máscaras de hipocrisia; todas elas extenuadas, todas marcadas por sinais inapagáveis de uma ofegante avidez.

O senhor não parece gostar dos parisienses…

Não. De tanto se interessar por tudo, o pariense acaba por não se interessar por nada. Com efeito, indiferente na véspera àquilo o embriagará no dia seguinte, o parisiense vive como criança – seja qual for a sua idade. Ele reclama de tudo, consola-se com tudo, debocha de tudo, esquece-se de tudo, quer tudo, experimenta de tudo, enfrenta tudo com paixão, larga tudo – os seus reis, as suas conquistas, a sua glória, os seus ídolos, sejam de bronze ou de vidro – com a mesma indiferença com que jogam fora as suas meias, os seus chapéus, as suas fortunas.

Impressionante. Por que acha que isso acontece?

Em Paris, nenhum sentimento resiste ao fluxo das coisas cuja corrente leva a uma luta que acalma as paixões; o amor ali é um desejo, e o ódio, uma veleidade. Em Paris, não há parente mais estimado do que uma nota de mil francos, nem amigo mais querido que os créditos populares.

Se as paixões não resistem ao fluxo é porque são volúveis e frígidas.

Em Paris, a vaidade resume todas as paixões.

Como assim?

Metade de Paris deita-se sobre exalações de esgotos féticos. Mas abordemos por um minuto os grandes salões arejados e dourados, os palacetes com jardins, o mundo rico, ocioso, feliz. Ali, as fisionomias são debilitadas e corroídas pela vaidade. Na atmosfera luxuosa parisiense, nada é real. Buscar o prazer não é o mesmo que encontrar o tédio?

Não sei… O que o senhor acha?

Para mim, o prazer é como certas substâncias medicinais – para obter constantemente os mesmos efeitos, é necessário dobrar as doses, estando a morte ou a perda dos sentidos contido na última delas.

Continue…

Em Paris, os abraços encobrem uma profunda indiferença e a educação encobre um desdém contínuo. Ali, não se ama jamais o próximo. Muitos jovens parisienses se entreolham com um ar aparentemente afetuoso, mas que, entre eles, nada prova, nem para o presente, nem para o futuro. Em Paris, um rosto fresco, descansado, gracioso, verdadeiramente jovem é a mais extraordinária das exceções: raramente encontrado. Se você avistar algum, ele certamente pertencerá a um jovem e fervoroso eclesiástico ou a um bom abade com uma tripla papada.

Mas, Monsieur… Não há bons sentimentos em Paris?

Paris é essencialmente uma zona de contrastes. Se os sentimentos verdadeiros são raros ali, encontra-se também, como em outros lugares, amizades nobres e dedicações sem limite.

Apenas amizades? E o amor?

Esqueça o amor. A fidelidade nunca esteve e nunca estará na moda em Paris.