“Decisão de Fux evidencia mais uma vez o caráter político da prisão de Lula”. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 29 de setembro de 2018 às 12:18
Serrano, na entrevista que concedeu ao DCM

A decisão de Luiz Fux, no exercício da presidência do Supremo Tribunal Federal, de suspender a liminar do ministro Ricardo Lewandowski foi vista pelo constitucionalista Pedro Serrano, professor da PUC de São Paulo, como ato “absolutamente totalitário, absolutamente agressivo aos valores mínimos de uma vida civilizada”.

“Estamos vendo algo extremamente triste para a sociedade brasileira, que é uma parte do Poder Judiciário de querer controlar as decisões democráticas”, disse Serrano.

Ricardo Lewandowski havia autorizado a jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo, a entrevistar Lula na prisão, tornando sem efeito decisão da juíza Carolina Lebbos, que vetou qualquer contato do ex-presidente com a imprensa.

Ministro da corte constitucional, que está no topo da hierarquia do Poder Judiciário, Lewandowski tem poderes para rever decisão de juíza de primeira instância, mas Fux poderia, com uma canetada, suspender decisão de um colega que tem os mesmos poderes que ele?

Para Serrano, não.

“Se dermos ao presidente do Supremo poder de suspender liminar de um ministro, nós vamos dar ao presidente do Supremo o poder de também conceder uma liminar quando o ministro não o fizer. Ou seja, ele vai concentrar uma imensidão de poderes na presidência do Supremo Tribunal Federal, que é mais uma função administrativa do que jurisdicional em si. Óbvio que tem competência jurisdicional também, mas não com essa esfera de poder, de poder suspender decisão de seus colegas, de poder conceder liminar quando seus colegas não concederem. Ou seja, ele fica como um ministro superior aos outros ministros, o que não é aceitável, porque o Supremo dever ser um órgão colegiado”, observou.

O professor da PUC entende que Fux evidenciou “o caráter político da prisão de Lula”.

“É algo absolutamente fora do que é o padrão e do que é da legislação processual. Portanto, fora da lei e fora de qualquer tipo de padrão de comportamento no Supremo”, acrescentou.

Depois disso, o que poderia fazer um ministro do Supremo para resolver uma questão da qual diverge, sem ouvir o colegiado: chamar o colega para um duelo na Praça dos Três poderes?

Para Serrano, Fux está tentando impor o seu ponto de vista para a sociedade.

“Há uma restrição indevida ao direito de livre expressão e ao direito de imprensa no momento em que ele mais deve ter incidência na vida social, que é o momento da eleição. O jornal tem uma função informativa, a sociedade deve ter o direito de saber a opinião de um líder popular como o presidente Lula sobre o conteúdo das eleições. Mas o ministro Fux acredita que essa entrevista poderia distorcer a opinião do eleitorado. Ora, a distorção nesse caso haveria em relação ao quê? Ao que o juiz Fux acha? Para mim, ele está querendo impor a opinião política dele à sociedade. E ele o faz de uma forma sutil, mas não por isso menos autoritária. Portanto, é uma decisão extremamente agressiva no mérito aos valores mínimos da vida civilizada e democrática”, detalhou.

Na entrevista que concedeu aos jornalistas de sites progressistas, na segunda-feira, Fernando Haddad disse que, no caso de se eleger presidente, uma das tarefas mais importantes será o de “cerzir o tecido social, que foi esgarçado”.

Essa expressão ganha corpo com atitudes como a de Fux ou do juiz Eduardo Luiz Rocha Cubas, de Goiás, que tentou tramar com o Exército tumultuar as eleições, com a apreensão de urnas eletrônicas na véspera da eleição.

Eduardo Luiz Rocha Cubas foi afastado preventivamente por liminar do Conselho Nacional de Justiça, depois que o próprio Exército denunciou à trama, e a Advocacia Geral da União pediu providências.

Fux vai além do seu quadrado ao suspender decisão de outro ministro e investe contra valores da própria Constituição.

Lula está preso sem uma condenação definitiva, teve os direitos políticos cassados pelo TSE, que contrariou recomendação da ONU, e agora, pela caneta de Fux, teve outro direito ceifado, o de expressão.

Fux proibiu Lula de dar declaração a qualquer meio de comunicação. E se Lula enviar um bilhete? Não poderá ser publicado?

Pelo que diz a decisão, não. Leia o trecho de seu despacho:

“Por conseguinte, determino que o requerido Luiz Inácio Lula da Silva se abstenha de realizar entrevista ou declaração a qualquer meio de comunicação, seja a imprensa ou outro veículo destinado à transmissão de informação para o público em geral. Determino, ainda, caso qualquer entrevista ou declaração já tenha sido realizada por parte do aludido requerido, a proibição da divulgação do seu conteúdo por qualquer forma, sob pena da configuração de crime de desobediência”, escreveu.

São palavras que remontam aos períodos mais tenebrosos do autoritarismo mundial, uma ameaça que sempre nos rondou, mas foi rechaçada por lideranças democráticas ao longo da história.

Nunca é demais lembrar o que disse Thomaz Jefferson, um dos pais da nação americana, berço da sociedade moderna:

“Nossa liberdade depende da liberdade de imprensa, e ela não pode ser limitada sem ser perdida.”

Haddad não poderá interferir no Judiciário, obviamente, mas, uma vez eleito, terá o peso de milhões de votos para convidar as autoridades brasileiras a recobrarem o juízo. Nas palavras de Haddad, “recuperar a institucionalidade”.

Em palavras mais simples, “voltar a cumprir a Constituição e as leis”, especialmente os que têm autoridade de Estado, exercendo na plenitude as suas prerrogativas, mas nunca indo além delas.

Cada um no seu quadrado, sob o império da Constituição.

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PS: Pedro Serrano foi um dos entrevistados para o documentário realizado pelo DCM sobre a violência jurídica que tirou Lula das eleições. O documentário está em processo de edição e será divulgado nos próximos dias.